• Apesar de se recusar um pouco a descer do palanque, Dilma precisa ser tratada como governante, não mais como candidata.
O Globo / Segundo Caderno
Infelizmente, não é simples assim. Nem todos os que acham os cortes necessários têm a mesma opinião sobre sua hierarquia e seu desenrolar. Por onde começar os cortes, por cima ou por baixo? O plano mesmo para cortar gastos só foi anunciado nesta semana. Assim mesmo, sem os detalhes para uma análise.
O início apontou um caminho de cortes que começa por baixo. Desempregados, viúvas, pensionistas e pescadores. Um espectador desavisado pode concluir que para seus modestos bolsos escoa nosso tesouro. O governo diz que fará economia de R$ 18 bilhões, corrigindo as distorções desses programas. Será? Os pescadores, por exemplo, não são culpados. A causa da distorção aí foi um esquema político religioso que distribuiu carteiras com objetivo eleitoral.
Começar pelo alto, dando aos mais pobres um tempo maior de adequação, é uma posição a ser considerada. Acontece que a esquerda foi nocauteada pela realidade, não tinha um plano próprio. Mergulhada no mundo maravilhoso da propaganda, não podia admitir essa tarefa no horizonte.
Um programa de cortes envolve muitos interesses. Os deputados votarão nas medidas que atingem viúvas e pescadores. Mas não movem uma palha para racionalizar os custos de sua própria máquina. Nem abrem mão das emendas parlamentares, sobretudo numa crise. Há uma década se fala na necessidade de economizar em viagens e diárias, com tecnologia da comunicação. Agora descobriram a pólvora. Quanto não se perdeu nessa recusa de encarar a modernização? E os funcionários que são inúteis e foram contratados apenas por política? Têm até nome próprio no idioma nacional: aspones, assessores de porra nenhuma.
Dilma não falou do papel do Brasil no mundo, exceto como parceiro comercial. No momento não temos uma visão clara. Só a partir dela poderíamos definir quantas embaixadas teremos. Um grande número de embaixadas parece projetar um papel de importância no mundo. Mas, quando algumas delas não têm o que fazer e nem recursos para funcionar, revelam o contrário da imagem desejada. Imensas e quase sempre inúteis verbas de propaganda do governo são pouco questionadas. Existem projetos proibindo, mas nunca chegaram à agenda.
Dilma pareceu incomodada por começar de baixo. Tanto que forçou um desmentido na revisão das regras do salário mínimo. O centro da expectativa agora é o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Todos afirmam que vai no caminho certo. Mas seria interessante que fosse também um caminho transparente. Costumam chamar Joaquim de “mãos de tesoura”. O apelido sugere uma frieza mecânica que não é real quando se trata de cortar despesas. Há lutas, contradições, acordos, compromissos — um processo político, enfim. Pelo menos, tem sido assim em muitos lugares do mundo.
Desempregados, viúvas e pescadores perderam o primeiro round, mas nem tudo era apenas distorção. Sabemos que haverá mudanças nas taxas de juros do BNDES. É um importante movimento por cima. O BNDES financia o Friboi, que financia o PT, preferencialmente. Se há dinheiro para financiar partidos, por que pedir emprestado ao governo? É legal, mas não deve ser considerado também uma distorção? A bolsa dos reis do gado é diferente. Não só pelo volume, mas pela transparência.
O Bolsa Família tem o cadastro de todos os que recebem. Mas quem sabe os números dos empréstimos do BNDES? É uma caixa que não se consegue abrir. Não quero fazer um discurso demagógico pelas viúvas e pensionistas. Nem acredito que minhas ideias devam prevalecer. Mas é preciso haver um debate transparente para que possamos avaliar os cortes. E, quem sabe, contribuir com eles.
A célebre frase “os últimos serão os primeiros” tem uma grande diversidade de leitura. Podem ser os primeiros a se estrepar. Não custava nada o governo ter se preparado para essa realidade ainda no ano passado. Alguns dizem: se mostrassem mais realismo, perderiam votos. Como se fosse preciso um certo grau de embriaguez para alcançar a vitória.
Depois das férias, vamos ver como se comportam os defensores dos fracos e dos oprimidos. A realidade é delicada: um governo com 39 ministérios começa seu esperado plano de contenções pelas viúvas, pescadores e desempregados. É difícil olhar para o próprio rabo. Vão dizer que o rabo é muito curto: custa pouco diante de viúvas e pescadores.
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