Esse incessante morrer
que nos teus versos encontro
é tua vida, poeta,
e por ele te comunicas
com o mundo em que te esvais.
Debruço-me em teus poemas
e neles percebo as ilhas
em que nem tu nem nós habitamos
(ou jamais habitaremos!)
e nessas ilhas me banho
num sol que não é dos trópicos,
numa água que não é das fontes
mas que ambos refletem a imagem
de um mundo
amoroso e patético.
Tua violenta ternura,
tua infinita polícia,
tua trágica existência
no entanto sem nenhum sulco
exterior – salvo tuas rugas,
tua gravidade simples,
a acidez e o carinho simples
que desbordam em teus retratos,
que capturo em teus poemas,
são razões por que te amamos
e por que nos fazes sofrer…
Certamente não sabias
que nos fazes sofrer.
É didícil explicar
esse sofrimento seco,
sem qualquer lágrima de amor,
sentimento de homens juntos,
que se comunicam sem gesto
e sem palavras se invadem,
se aproximam, se compreendem
e se calam sem orgulho.
Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa,
anunciando que a tua vida passou à toa, à toa.
Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango argentino,
diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito infiltrado.
Não são os carvoeirinhos raquíticos voltando encarapitados nos burros velhos.
Não são os mortos do recife dormindo profundamente na noite.
Nem é tua vida, nem a vida do major veterano da guerra do Paraguai,
a de Bentinho Jararaca
ou a de Christina Georgina Rossetti:
és tu mesmo, é tua poesia,
tua pungengente, inefável poesia,
ferindo as almas, fogo celeste, ao visitá-las;
é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso portador
e que vem trazer-nos na aurora o sopro quente dos mundos, das armadas exuberantes
e das situações exemplares que não suspeitávamos.
Por isso sofremos: pela mensagem que nos confias
entre ônibus, abafada pelo pregão dos jornais e mil queixas operárias;
essa insistente mas discreta mensagem
que, aos cinquenta anos, poeta, nos trazes;
e essa fidelidade a ti mesmo com que nos apareces
sem uma queixa, no rosto entretanto experiente,
mão firme estendida para o aperto fraterno
- o poeta acima da guerra e do ódio entre os homens -,
o poeta ainda capaz de amar Esmeraldas embora a alma anoiteça,
o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte
- mas haverá lugar para a poesia?
Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de escrever,
o poeta Maiakovski suicidou-se,
o poeta Schmidt abastece de água o Distrito Federal…
Em meio a palavras melancólicas,
ouve-se o surdo rumor de combates longínquos
(cada vez mais perto, mais, daqui a pouco dentro de nós).
E enquanto homens suspiram, combatem ou simplesmente ganham dinheiro,
ninguém percebe que o poeta faz cinquenta anos,
que o poeta permanece o mesmo, embora alguma coisa de extraordinário se houvesse passado,
alguma coisa encoberta de nós, que nem os olhos traíram nem as mãos apalparam, susto, emoção, enternecimento,
desejo de dizer: Emanuel, disfarçado na meiguice elática doa abraços,e uma confiança maior no poeta
e um pedido lancinante para que não nos deixe sozinhos nesta cidade em que nos sentimos pequenos à espera dos maiores acontecimentos.
Que o poeta nos encaminhe e nos proteja
e que o seu canto confidencial ressoe para consolo de muitos e esperança de todos,
os delicados e os oprimidos, acima das profissões e dos vãos disfarces do homem.
Que o poeta Manuel Bandeira escute este apelo de um homem humilde.
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