• O empreiteiro apontado como chefe do cartel da Petrobras liga os contratos sob suspeita ao caixa de campanha da presidente Dilma
Rodrigo Rangel – Veja
O engenheiro baiano Ricardo Ribeiro Pessoa entrou para o mundo das empreiteiras há mais de quarenta anos. No começo, como um modesto funcionário. Depois, como dono do próprio negócio. Nada, porém, que o colocasse em posição de destaque no competitivo mercado das construtoras. Foi a partir do primeiro governo Lula que a UTC Engenharia, a principal empresa de Pessoa, experimentou uma ascensão vertiginosa. O empreiteiro considera-se amigo do ex-presidente, com quem conversava regularmente até ser preso, no fim do ano passado, na sétima etapa da Operação Lava-Jato. Junto com ele, a Polícia Federal arrastou para a prisão outros vinte donos e altos executivos das maiores empreiteiras do país. Eles são acusados de integrar um cartel que dividia entre si os contratos bilionários da Petrobras em troca do pagamento de propinas para os políticos que lhes abriam caminho na estatal.
Na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, capital em que correm os processos da Lava-Jato, tem sido dura a rotina dos integrantes do chamado clube do bilhão, que até recentemente cruzavam os céus do país a bordo de jatos particulares. Pedidos de relaxamento de prisão formulados pelos advogados dos empreiteiros têm sido sistematicamente negados. Além da farta documentação que registra o funcionamento do maior esquema de corrupção já descoberto no país, os policiais contam com revelações contundentes feitas por antigos parceiros das empreiteiras que, pilhados, decidiram colaborar com as investigações para tentar diminuir suas penas. É o caso de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que escolhia as empreiteiras e assinava os contratos, e do doleiro Alberto Youssef, que distribuía os dividendos.
Foi a partir das delações premiadas da Operação Lava-Jato que o papel de Ricardo Pessoa no esquema pôde ser esquadrinhado. Segundo as investigações, ele atuava como uma espécie de coordenador do cartel que reunia, ao redor da Petrobras, outros gigantes da empreita, como Camargo Corrêa, Mendes Júnior e OAS. Pessoa contesta o título de chefe do grupo. Ele afirma que apenas facilitava o diálogo entre as várias empreiteiras porque foi presidente da entidade que representa o setor. E o setor está inquieto. Os empreiteiros presos repetem aos visitantes que não estão dispostos a figurar como únicos vilões do megaesquema de corrupção.
Um bom resumo do que vai pela cabeça dos empreiteiros presos está em um manuscrito de seis folhas de caderno obtido por VEJA. Ele foi escrito por Ricardo Pessoa, da UTC. VEJA confirmou a autoria do documento por meio de um exame grafotécnico feito pelo perito Ricardo Molina, da Unicamp. É a primeira manifestação de um integrante do clube do bilhão desde a prisão. O documento contém queixas contra os antigos parceiros de negócios e ameaças veladas a políticos. Em um dos trechos, o empreiteiro liga os contratos sob suspeita assinados entre as empreiteiras e a Petrobras ao caixa de campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff.
Depois de se referir ao fato de que parlamentares estão — erradamente — considerando que as doações oficiais de campanha não configuram delito, ele afirma: "Vale para o Executivo também. As empreiteiras juntas doaram para a campanha de Dilma milhões. Já pensou se há vinculações em algumas delas", questiona. Em tom de desafio, ele pergunta se o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicarão essa interpretação rigorosa também em relação à presidente, já que tudo indica que essa será a estratégia para incriminar os bagres e lambaris da base aliada do governo beneficiados pelo esquema de corrupção. Nas entrelinhas do manuscrito fica evidente o desconforto dos empreiteiros de estarem sendo, pelo menos até agora, os bodes expiatórios da complexa rede de corrupção armada na Petrobras. Eles têm razão. Nas denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal e aceitas pelo juiz Sergio Moro, o esquema de corrupção na Petrobras parece ser apenas o conluio de empreiteiros gananciosos com meia dúzia de diretores venais da Petrobras. Nada mais longe da verdade. Como Paulo Roberto Costa revelou com toda a clareza, tratava-se de um esquema de desvio de dinheiro para partidos e campanhas políticas organizado pelo partido no poder, o PT. Entende-se, portanto, a insistência de Ricardo Pessoa em lembrar que em sua concepção e funcionamento o esquema na Petrobras era político. As empreiteiras entraram como a solução para o problema de como entregar o dinheiro aos parlamentares e candidatos da base aliada do governo do PT.
Pessoa cita nominalmente o tesoureiro do comitê de Dilma Rousseff, o deputado petista Edinho Silva (SP): "Edinho Silva está preocupadíssimo. Todas as empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma". Arremata com outra pergunta desafiadora, referindo-se ainda ao caixa do comitê eleitoral da presidente: "Será se (sic) falarão sobre vinculação campanha x obras da Petrobras?". O empreiteiro faz chiste com o que já foi descoberto até agora e afirma que o volume de dinheiro desviado na diretoria de Paulo Roberto Costa é "fichinha" perto de outros negócios da Petrobras que também teriam servido à coleta de propina.
Sem negar em nenhum momento as acusações de pagamento de propina em troca de favorecimento nas obras, o homem que as investigações apontam como "chefe do cartel" questiona por que motivo, até agora, só seis das dezesseis empreiteiras foram processadas pelo Ministério Público. E se revela magoado com os delatores do petrolão, antigos parceiros que, pilhados, resolveram contar o que sabem. "Por que somente seis das dezesseis?", indaga. "As outras empresas são santas e os delatores que se apressaram em apontar são santos." Sobre a acusação de cartel, o empreiteiro faz uma observação curiosa: "Quando se fala de cartel da Opep (a Organização dos Países Exportadores de Petróleo), ninguém vê nada de errado com isso. Qual a diferença do cartel da Opep para o cartel das empreiteiras?".
As queixas dirigidas aos antigos parceiros vão se repetindo ao longo das seis páginas de anotações do empreiteiro. Ao se referir ao Judiciário, Pessoa reclama de que "ninguém" está se empenhando o suficiente para que os empreiteiros presos sejam libertad" lembra que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que encampou teses em favor dos réus no mensalão, agora age de maneira diferente. Lewandowski negou, recentemente, pedidos de relaxamento de prisão feitos pelos advogados dos empreiteiros. "Ele não quiz (sic) meter a mão na cumbuca", diz Pessoa. O tom de ameaça é onipresente: "Os onze presos vivem se perguntando. Estamos aqui por quê? Para delatar, para confessar ou para..." — as reticências são dele. Em mais de uma passagem, o empreiteiro pergunta: "Que que é isso, companheiro?". Ele não esclarece a que companheiro se refere.
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