César Felício – Valor Econômico
A reforma política e a regulação da mídia são as duas ferramentas que o governo poderá utilizar para conter a insatisfação da esquerda, alijada da condução econômica do governo. Tanto a reforma política quanto a regulação dos meios de comunicação são reivindicações tradicionais do PT e de movimentos sociais alinhados com o governo. A presidente Dilma Rousseff mencionou duas vezes o tema da reforma política em seu discurso de posse, frisando que o assunto é atribuição constitucional do governo. Não mencionou a regulação da mídia, mas o ministro responsável pela área, Ricardo Berzoini, é um defensor da tese.
As duas propostas podem representar uma tentativa de manter sob controle a pauta do Congresso em 2015. Os dois temas poderiam deixar em segundo plano as consequências políticas do escândalo da Petrobras, que devem levar a novas CPIs e processos de cassação. As chances de avanço na tramitação dos dois temas são baixas, porque estão longe de ser consensuais dentro da base governista.
"A reforma política vai se tornar prioridade porque estará no contexto de um pacote contra a corrupção. Sobretudo porque irá alterar a regra do financiamento das campanhas eleitorais", disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). "A crise vai potencializar a discussão pela reforma", comentou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). A avaliação é que a necessidade de financiamento das campanhas estaria na base do esquema de desvio de recursos da Petrobras. Por esta ótica, a reforma poderia tomar a forma de uma resposta do sistema político ao escândalo de corrupção.
É uma estratégia que deve levar a oposição a se posicionar contra as iniciativas de mudanças das regras eleitorais. "Novamente estamos discutindo vigarices que não vão passar", disse o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira Filho (SP). Segundo Aloysio, "a presidente Dilma Rousseff está propondo reforma política para sustentar a tese de que a corrupção se deve ao sistema e não às pessoas que integram o seu governo e a sua base de sustentação no Legislativo".
A agenda oposicionista para 2015 está clara: processos de cassação no Congresso dos envolvidos no escândalo de Petrobras e novas comissões de investigação. "Há indícios de que as quadrilhas que atuaram nos casos que estão sendo apurados também agiram em outras áreas sob influência do governo, como os fundos de pensão estatais", disse o tucano.
O financiamento de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e já há maioria na Casa para vetar este tipo de contribuição. A decisão só não saiu porque está pendente do voto do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas do processo.
A restrição ao financiamento deve levar a novas normas para baratear o custo da campanha, reduzindo a competição entre os candidatos. Ganha força neste sentido o fim das coligações proporcionais, que deve enxugar a quantidade de partidos políticos. O que não deve avançar é o ponto que é coração da reforma: o sistema da eleição para a Câmara dos Deputados.
Não há consenso entre os partidos desde que o tema entrou em pauta pela primeira vez, há mais de vinte anos, no processo de revisão constitucional de 1993. "A reforma é uma necessidade, mas o problema é que cada partido tem a sua fórmula e particularmente o PT não abre mão da sua", disse o deputado Danilo Forte (PMDB-CE), vice-líder da bancada.
O PT defende o voto proporcional de lista fechada, onde o eleitor vota em uma chapa de deputados com ordem de preferência pré-elaborada pela direção partidária. O PSDB e o PMDB defendem modalidades de voto distrital. A reforma política foi o tema escolhido pelo PT como resposta aos protestos populares de junho de 2013. Na primeira versão sugerida por Dilma, a presidente chegou a sugerir a realização das mudanças por plebiscito. Desde então, o PT e movimentos sociais, como o MST e a CUT, tentam fazer mobilização popular em torno do tema, sem sucesso.
A regulação da mídia, bandeira tradicional do PT, pode ganhar impulso à medida que as denúncias relativas à Petrobras formem um contingente expressivo de parlamentares ameaçados de cassação. De acordo com um dirigente do PT, caso se sinta acuado, o Congresso pode ficar receptivo a propostas que façam a imprensa ficar sob pressão.
Mas o novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, que já se declarou a favor "da regulamentação dos meios de comunicação" em entrevista a blogueiros simpáticos ao governo em junho do ano passado, demonstrou preocupação com as resistências que proposta pode levantar. "O risco político dessa questão é a oposição e a mídia nos carimbarem como defensores da censura", disse.
Durante a entrevista, Berzoini disse que a regulação necessitaria de impulso fora do governo para avançar no Congresso. "O governo tem um papel importante como liderança política, como porta-voz de um programa que vai às urnas, mas nós não podemos apostar só no viés institucional tradicional. Nós precisamos manter uma estratégia de mobilização popular para que as pessoas compreendam o que está em jogo", disse.
Ainda que seja de difícil tramitação no Congresso, a regulação da mídia também atenua o desgaste do governo junto aos setores de esquerda no momento em que o governo faz uma inflexão ortodoxa em sua política econômica, que alterou por medida provisória direitos sociais. Na página da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na internet, por exemplo, um abaixo-assinado a favor da regulação na comunicação social era a notícia de maior destaque no dia em que a medida provisória foi anunciada.
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