Publicado em 2/1/2015
Começa a tomar forma a articulação, estimulada explicitamente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para aumentar a pressão dos ditos "movimentos sociais" sobre o governo de Dilma Rousseff. A mobilização de uma "frente nacional de esquerda", conforme noticiada pelo Estado, tem como objetivo denunciar o que esses movimentos veem como um avanço conservador dentro do Congresso e do próprio Palácio do Planalto. Assim, Lula recorre às alas mais predatórias dos chamados "progressistas" para tentar ditar a agenda de Dilma e da base aliada.
O que une esses grupos é um solene desprezo pela lei e pelas instituições que garantem a democracia, pois estas são vistas como obstáculos "burgueses" à realização de suas utopias autoritárias.
Estão lá, por exemplo, as alas mais radicais do PT. Uma delas, a Militância Socialista, manifestou durante as últimas eleições seu desencanto por ter chegado à conclusão de que o governo de Dilma é "refém das forças do atraso", e propondo, portanto, "radicalizar a democracia participativa em todas as esferas" - senha para a desmontagem da democracia representativa e para o aparelhamento total do Estado. A Militância Socialista defende que haja "unidade" entre os movimentos de esquerda para conter o "golpismo" contra Dilma e, principalmente, contra o PT - que, segundo essa corrente, deve disputar a "hegemonia na sociedade".
É esse, em outras palavras, o discurso que Lula vem fazendo nos últimos dias, em diversos pronunciamentos para os militantes petistas. Em um dos mais recentes, o ex-presidente disse que, se o PT quiser vencer a eleição presidencial em 2018 - em que Lula aparece como candidato natural do partido -, o atual governo terá de "reorganizar a base de alianças com setores mais à esquerda da sociedade".
Portanto, é com interesse puramente eleitoral, como é de seu feitio, que Lula demarca seu território, tentando cooptar grupos esquerdistas para, se e quando lhe for conveniente, contrapor-se a Dilma. Não é por outra razão que o ex-presidente citou até o PSOL e o PSTU, partidos radicais formados por dissidentes petistas.
É sintomático, portanto, que, à primeira reunião em que se discutiu a formação da tal "frente de esquerda", em São Paulo, tenham comparecido representantes do PSTU e do PSOL. Lula sabe que são partidos que não precisam de estímulo para infernizar a vida de Dilma - e, por tabela, a do País.
Mas é na presença de diversos grupos de baderneiros em geral que a "frente de esquerda" diz a que veio. Lá estão, entre outros, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), a Central de Movimentos Populares, o Levante Popular da Juventude, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, a Via Campesina e a Conlutas.
À frente desse sopão esquerdista está o já notório Guilherme Boulos, líder do MTST, talvez o principal nome da nova safra de arruaceiros que, graças à tibieza de alguns administradores públicos, conseguiram transformar a violência em um modo natural de fazer política.
Boulos foi o sujeito que, de uma só vez, obrigou a presidente Dilma Rousseff, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a Câmara de Vereadores a ceder às suas chantagens. Para isso, bastaram seu poder de mobilizar algumas centenas de pessoas e uma estratégia de guerrilha que explorou a falta de pulso do poder público para fazer valer o que está escrito na lei contra quem invade terrenos. Em vez de ser punido, Boulos foi tratado como interlocutor legítimo para discutir reivindicações populares. Transformou a população em refém, desmoralizou as instituições do Estado e não pagou o preço da sua ousadia.
Não admira que a iniciativa de formar a "frente de esquerda" tenha partido formalmente de Boulos. Mas seria ingenuidade supor que seja ele o real responsável por essa mobilização. Por trás de Boulos, como já ficou claro, está Lula - que perdeu espaço dentro do governo e, preocupado com a perspectiva de ser derrotado em 2018, busca ter cacife para obrigar Dilma a fazer o que ele quer, nem que seja na marra.
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