• Seria útil que o BC tivesse uma 'meta intermediária' para a inflação em 2015 com trajetória declinante
- Valor Econômico
Um velho ditado militar diz: ordem, contraordem, desordem. De fato, há registros históricos de inúmeras batalhas perdidas por causa da confusão gerada por instruções contraditórias dadas pelos generais às suas tropas. No campo da política monetária, o Banco Central brasileiro parece ter repetido o equívoco dos generais derrotados, ao produzir uma comunicação que mais confundiu do que orientou a ação dos agentes econômicos.
O discurso adotado pelo BC após a mais recente decisão do Copom - que acelerou a alta da taxa de juros básica para 50 pontos-base - ilustra claramente a confusão que uma comunicação do tipo "ordem, contraordem" acarreta entre aqueles que aguardam uma sinalização assertiva da autoridade monetária. O aumento do ritmo de elevação dos juros indicaria um propósito de endurecimento da política monetária, não tivesse o BC qualificado simultaneamente que qualquer esforço adicional tenderia a ser feito com "parcimônia", tendo em vista os efeitos cumulativos e defasados da política monetária. Com isso, os agentes econômicos ficaram no escuro sobre os passos futuros do BC.
Na realidade, ao combinar elevação do ritmo de alta dos juros com a sinalização de "parcimônia" futura, o BC acabou anulando qualquer efeito positivo de sua política sobre as expectativas de inflação, caracterizando um caso típico de desperdício de munição que apenas gerou custos adicionais para o Tesouro Nacional, cuja dívida tem um custo fortemente atrelado à taxa de juros de curto prazo.
Como exemplo da insensibilidade das expectativas, pode-se mencionar a manifestação do presidente do BC, em audiência pública no Senado, realizada em 15 de dezembro passado, asseverando que a hipótese de trabalho da instituição é a convergência da inflação para a meta em 2016, após um período curto de aceleração no início do ano que vem. Contudo, naquela data, as expectativas dos agentes econômicos captadas pela pesquisa Focus eram muito menos otimistas, a mediana da inflação esperada para 2016 se mantendo no patamar de 5,7%, sem ter esboçado qualquer reação à aceleração do ritmo de alta da taxa Selic pelo BC decidida pelo Copom no início de dezembro.
O problema da comunicação ficou mais evidente ainda quando o BC tornou público o Relatório de Inflação relativo ao quarto trimestre de 2014, trazendo uma linguagem muito mais dura do que a empregada, apenas duas semanas antes, na ata da última reunião do Copom. A sinalização de "parcimônia" foi substituída pela assertiva de que o Copom "irá fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo período de declínio, que a levará à meta de 4,5% em 2016". De novo, "ordem, contraordem".
É fato que a mudança do discurso do BC poderia ser justificada pela alteração da situação conjuntural em razão de algum fato não previsto, já que, obviamente, não se espera do BC o dom da presciência. Porém, entre a reunião do Copom e a divulgação do RI, apenas o mercado cambial sofreu uma mudança relevante, com depreciação adicional do real e aumento da volatilidade. Essa trajetória, contudo, não pode ser considerada como uma surpresa, tendo em vista a presença visível de fundamentos macroeconômicos e políticos óbvios para a valorização da moeda americana.
Não custa lembrar que a eficácia da política monetária, notadamente no regime de metas de inflação, depende muito da qualidade da comunicação do Banco Central. A razão disso é o papel fundamental que as expectativas dos agentes econômicos sobre a trajetória futura das taxas de juros desempenham na transmissão dos efeitos da política monetária para a economia real. Quando os objetivos do BC permanecem opacos, a inferência sobre o comportamento futuro dos juros torna-se um exercício lotérico e se perde o desejável alinhamento entre as expectativas de mercado e os propósitos da autoridade monetária.
Além das dificuldades trazidas por um discurso pouco claro, outro aspecto negativo da comunicação recente do BC encontra-se no excessivo peso atribuído às intenções relativas à política fiscal futura no processo de convergência da inflação para a meta. Como o BC, a maioria dos analistas, entre os quais me incluo, espera uma melhora sensível na política fiscal em 2015, em razão da benfazeja substituição da equipe do ministro Mantega. Porém, a meu ver, não deveria o BC se antecipar à mudança da política fiscal, atribuindo a esta, tácita ou explicitamente, o papel de trazer as expectativas de inflação para o centro da meta, não sendo razoável que o BC "delegue" ao Tesouro uma atribuição que é intrinsecamente sua.
De todo modo, apesar dos problemas de comunicação recentes, o BC pode começar a afetar positivamente as expectativas inflacionárias nos próximos meses, desde que alinhe sua ação e seu discurso claramente à convergência da inflação para a meta em 2016. Nesse sentido, seria útil que o BC tivesse uma "meta intermediária" explícita para a inflação em 2015 que mostrasse trajetória declinante em relação ao ano anterior.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central
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