• Três núcleos de ministros quase independentes
- Valor Econômico
Durante quatro anos, Dilma Rousseff recebeu críticas a seu estilo de governar, centralizador demais, a ponto de inibir iniciativas de seus ministros. Comentou-se, e eu mesmo o fiz, que lhe faltava delegar e dialogar. Pois isso pode estar mudando. Ao nomear Joaquim Levy para dirigir a economia, está claro que ela lhe delega poderes que seu antecessor Guido Mantega jamais teve; aliás, há um ponto a mais no caso de Levy: ele é tão necessário ao governo Dilma 2.0 quanto Henrique Meirelles foi ao governo Lula 1.0.
Doze anos atrás, o banqueiro Meirelles foi o fiador do governo Lula junto ao mercado. Com os anos, deixou de ser indispensável (embora tenha continuado no cargo), porque o patronato adquiriu confiança em Lula. Hoje, Levy é o fiador do segundo governo Dilma junto ao mercado. Ao menos nos próximos anos, se ele demitir-se ou for demitido, serão sérios os riscos para a governabilidade econômica. Isso lhe dá um mandato forte.
Há nesse novo ministério - que não entusiasmou quase ninguém - três "clusters", ou núcleos, de titulares com grande autonomia. Ou seja, colaboradores que não podem ser demitidos facilmente. Isto é, ministros a quem atribuições e decisões serão delegadas. Se a autonomia lhes for podada, o custo para a eficiência do governo e o prestígio presidencial será alto.
O primeiro núcleo é o da economia. Levy é o mais visível, mas com Nelson Barbosa e Alexandre Tombini temos aqui três ministros - podendo chegar a cinco, se incluirmos os titulares da Agricultura, Katia Abreu, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro. No andar atual do mundo, a economia é determinante numa escala que nem mesmo Marx imaginou: é difícil outras políticas se definirem sem a garantia de crescer o PIB.
A economia é o setor que mais deve mudar em face do primeiro mandato. Para o PT continuar as políticas sociais, que são sua própria razão de ser (e de sua popularidade), a economia precisa melhorar. A presidenta parece ceder parte razoável da decisão econômica, para assegurar as políticas sociais. Na famosa expressão, cede os anéis para salvar os dedos. Aceitar isso não deve ter sido fácil para uma governante certa de si como Dilma. Tanto que já houve um primeiro stress entre ela e Nelson Barbosa, sobre o salário mínimo. O que eu receio é que não tenha ficado meridianamente claro, e combinado, entre Dilma e os ministros econômicos, quais serão os limites da economia e da política.
O segundo núcleo é o dos ministros que trazem ao governo o apoio de seus partidos, sendo eles os próprios dirigentes principais, de direito ou de fato, de suas agremiações. Entre eles estão os controversos Gilberto Kassab, pelo PSD, e Aldo Rebelo, do PCdoB. Haverá outros. Os dois têm forte experiência administrativa e política. Dilma quer evitar riscos no Congresso, seja o do "impeachment", se a batata da Petrobras esquentar, seja o da rejeição de projetos presidenciais. Blinda-se o Executivo contra uma eventual rebelião do Legislativo.
Um terceiro grupo, mais difuso, que por isso mesmo não sei se cabe chamar de núcleo, é o de alguns ministros testados e aprovados. Não têm o peso dos primeiros junto ao mercado, nem o dos segundos junto ao Congresso. Mas sabe-se o que eles querem. Destaco dois nomes, que saíram da Esplanada no fim do governo Lula e voltam, com forte apoio em suas áreas. Só tem cabimento regressarem se estiverem munidos de carta quase branca. São Patrus Ananias, que dirigiu o combate à fome e agora assume outra pasta dita social, e Juca Ferreira, que retoma o ministério da Cultura.
Realcei os membros do núcleo econômico, que só funcionará se estiverem bem ligados, muito solidários entre si, e que não dependem do PT, ao contrário: nesta altura, parece que é o PT que depende deles; os do "cluster" partidário, que reúne dirigentes bem diferentes entre si - todos eles, também, de fora do PT - mas que têm em comum o fato de que Dilma terá de fazer mais concessões ao mundo político do que esteve propensa a fazer; e finalmente uma simples lista de ministros dos quais se sabe o que farão, e que certamente incluem outros que continuam em suas pastas, reforçados pelo simples fato da recondução.
Mas temos pelo menos uns dez ministros que não dependerão de autorização presidencial, para saber se adotam ou não uma medida. (Dilma pode intervir, cortando essa autonomia, mas o preço será caro).
Estará mesmo mudando o modo de governar? Maquiavel dizia, no "Príncipe", que ou somos de um jeito ou de outro. Não conseguimos mudar. Mas ele reduzia os modos de ser a apenas dois - o dos impetuosos e o dos cautelosos. Tudo o mais era mutável.
Aqui, penso no estilo de governar do primeiro mandato - o da pessoa centralizadora, desconfiada, preocupada em articular as diversas ações ministeriais, empenhada em gerar sinergias - mas que não conseguiu tanto êxito quanto pretendia. O fato é que Dilma não tem alternativa, e é positivo que tenha reconhecido este fato. Avessa aos políticos, talvez por não gostar de sua busca desenfreada pela própria vantagem, reticente em relação aos empresários, talvez por descrer que tenham uma visão do Brasil, ela parece que teve de ceder ao mundo real - que não é o melhor dos possíveis, mas é o único disponível.
Não vai ser fácil conciliar ministros assim diferentes, nem lhe será fácil reduzir seu protagonismo em várias áreas do governo, sobretudo a econômica. Mas esse novo ministério, que não é do sonho de ninguém e duvido que seja dos sonhos de Dilma, sinaliza uma certa possibilidade de desbloqueio de algumas travas políticas, econômicas e sociais a que chegamos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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