- O Estado de S. Paulo
Que está seco, até os governantes brasileiros descobriram. E, mesmo de má vontade, admitiram. Nenhum governador tem mais coragem de evocar meses com "R" para prever chuva. Embora ainda haja ministro usando "Deus é brasileiro" quando fala do clima, cada vez menos políticos tentam demonstrar falso otimismo. Junto com os canos, secou a fonte de chavões e lugares comuns. Há nuvens negras no horizonte, de uma tempestade social perfeita.
Enchente com falta d'água, calor excessivo com falta de energia, recessão com inflação, crescimento do desemprego com diminuição dos benefícios a desempregados - tudo ao mesmo tempo. Agora? Ou daqui a pouco, mas muito provavelmente antes da eleição de 2016.
Quem a tempestade vai pegar? Todo mundo que poderia ter feito algo e não fez. A questão é que sempre que um fenômeno como esse acontece, uns soçobram antes de outros. E estar entre os outros é no que cada um aposta: o prefeito torce que vai ser pior para a imagem do governador, que sonha com a impopularidade da presidente, que chamará mais e mais ministros de "meu querido".
Num mundo ideal, em vez de cálculos políticos de quem vai se afogar antes, nossos representantes estariam dizendo juntos à população que é obrigatório economizar água e gastar menos energia - e que, mesmo assim, não há garantia de que não haverá racionamento de uma coisa ou de outra. Mas acreditar nessa hipótese é tão realista quanto esperar que o ministro da Ciência aceite as evidências científicas do aquecimento global.
Em junho de 2013, Dilma Rousseff matou os protestos no peito. Convocou cadeia de rádio e TV para explicar o inexplicável e virou o para-raios da crise - para alegria dos marqueteiros da oposição. Sua popularidade sumiu numa avalanche e ela quase não se reelegeu. Desta vez, seu silêncio parece crer que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas a chance existe, pois o raio busca sempre o ponto mais alto. Daí tanto político de joelhos.
Sabe-se que podemos contar com duas coisas: fenômenos climáticos cada vez mais intensos, potencialmente trágicos, e a trágica ausência de lideranças para liderar nesses momentos de crise.
Pesquisa divulgada nesta segunda-feira pela respeitada publicação científica Nature Climate Change revela que o risco de uma La Niña radical pode dobrar por causa do aquecimento global. Isso significa mais secas ou enchentes, dependendo da região, além de uma temporada de furacões especialmente danosos.
A pesquisa da Universidade de Exeter alerta ainda que há 70% de chance de uma La Niña radical suceder a um El Niño igualmente devastador. Ou seja, a estiagem de um ano tende a ser precedida ou sucedida por uma grande enchente. O clima deve oscilar de um extremo a outro com muito mais frequência. Nesse cenário, tudo que é média ou médio - da estatística ao político - perde valor.
Reservatórios, tubulações, redes de transmissão e usinas projetados para atender a demandas e situações médias tendem a sucumbir durante situações extremas. Não dão vazão à enxurrada ou não aguentam a falta prolongada de chuvas. É o que já estamos assistindo com os blecautes e cortes no fornecimento de água.
Se a seca persistir pelos próximos dois meses - e as chances de isso acontecer, segundo o Inpe, são de meio a meio -, o cenário político vai ser radicalmente mudado pelo cenário climático. E a palavra-chave nessa frase é radicalmente. Quanto mais radical for o clima, mais radical tenderá a ser a mudança.
Se confirmado esse cenário extremo, mais do mesmo não vai dar em nada. Não só as oposições tradicionais terão oportunidade de virar situação. Para além da polarização PT-PSDB, fenômenos eleitorais tenderão a aparecer de repente. Dessa vez, com mais persistência e durabilidade do que os fenômenos "chuva de verão" das eleições passadas. Na terceira vez pode dar a terceira via.
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