Raphael DiCunto e André Guilherme Vieira – Valor Econômico
A transferência de recursos de grandes grupos empresariais para candidatos por meio de prestadoras de serviços nunca foi investigada pela Justiça Eleitoral e é de dificílima comprovação, apontam juristas e especialistas em doações eleitorais, o que torna improvável qualquer punição as empresas que adotam este tipo de prática e, principalmente, aos candidatos beneficiados.
"Isso está no âmbito do jeitinho brasileiro, o que é lamentável porque a prestadora de serviços fica no papel de laranja", afirma o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Moralmente é condenável, mas legalmente não tem como pegar, não vejo o que possa ser feito. É o tipo da coisa escamoteada que não tem como glosar", diz.
O juiz Márlon Reis, um dos redatores da Lei da Ficha Limpa, afirma que nunca tinha ouvido falar desse tipo de transferência e acredita que a legislação atual não é suficiente para coibir estas práticas. "Nossas leis são falhas, sequer preveem que caixa dois de campanha seja crime, mesmo sendo algo que desequilibra as eleições", pontua, ao opinar, contudo, que este seria um crime de dificílima comprovação.
Promotor eleitoral em Minas Gerais e professor de Direito Eleitoral, Edson de Resende Castro também avalia que a investigação deste tipo de transferência seria extremamente complexa. "Teríamos que fazer verdadeira devassa nas finanças das duas empresas e levantar valores de serviços e contratos para tentar detectar o montante excedente."
Castro, porém, avalia que é possível punir as empresas que adotam este tipo de prática de duas formas: com uma multa se tiverem extrapolado o teto legal de doações e por crime de falsidade ideológica. "Foram fornecidos para a Justiça Eleitoral dados que não correspondem com a verdade. Ficaria registrado que a doação foi pela empresa A, mas na verdade o dinheiro veio da B".
A outra punição ocorreria caso a empresa, ao incorporar o volume de doações feitas através de fornecedores, ultrapassasse o limite de 2% de seu faturamento bruto do ano anterior. "Neste caso, a multa é de cinco a dez vezes o valor do excesso", explica Castro. Já a punição do candidato beneficiado pela transferência oculta é ainda mais improvável. "A não ser que existam provas concretas de que ele soubesse do excesso, e aí caberia cassação do mandato e inelegibilidade por oito anos, não há como punir."
As tentativas de ocultar as doações eleitorais já ocorreram de várias formas. Em 2010, o então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), atual ministro das Cidades, teve o mandato cassado junto com o de 25 vereadores por receberem doações da Associação Imobiliária Brasileira (AIB). A instituição, acusava o Ministério Público Estadual (MPSP), servia de fachada para doações do Sindicato da Habitação (Secovi), que é proibido por lei de dar dinheiro para campanhas. Kassab, que nega fraude, conseguiu uma liminar para continuar no cargo.
Até a eleição do ano passado, as empresas também camuflavam as doações para políticos ao transferir o recurso primeiro para diretórios partidários e comitês financeiros. Ao prestar contas, o candidato omitia a fonte original do dinheiro e indicava o partido como doador. Isso praticamente acabou em 2014, quando o TSE determinou que os candidatos, além de informar quem repassou, também deveriam dizer a origem do dinheiro.
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