• ‘Há um grande receio de que estejamos perto de uma onda de insolvências empresariais’
- O Estado de S. Paulo, 25/01/15
Apenas uma semana após a eleição, o governo surpreendeu alguns (mas não a todos), fazendo exatamente o oposto do que tinha se comprometido na campanha eleitoral.
Ao invés de medidas que continuassem a manter o vaporoso cenário brasileiro descrito na campanha, os eleitores começaram a absorver aumento de juros, elevação de tarifas de energia e de determinados tributos, cortes de gastos e apagões variados.
A interpretação de quase todos, que me parece correta, é que a presidente reeleita teve de aceitar uma política de ajuste, tendo em vista a grande deterioração da situação econômica ao final do seu mandato. Em particular, pesou a crescente desorganização fiscal, que truques contábeis e "pedaladas" fiscais não conseguiam mais esconder. Ora, a experiência mostra, de forma avassaladora, que a desorganização fiscal leva à inflação e a outros desequilíbrios de forma insustentável. Basta olhar a nossa vizinha, Argentina.
Na realidade, a ambiciosa política dos últimos anos se revelou um triplo desastre: macroeconômico, microeconômico e de governança.
Na área macro, 2014 terminou com uma economia estagnada, que mostra investimentos em franca decadência, com uma inflação teimosamente elevada (ancorada no topo da meta, de 6,5%), desorganização fiscal e grande déficit em conta corrente, que ultrapassou os 4% do PIB. O único indicador ainda positivo, o mercado de trabalho, mostra uma forte tendência à desaceleração, que deverá ficar mais clara nos próximos meses.
O experimento heterodoxo da nova matriz morreu de forma melancólica.
Existem crises também na área micro. Em petróleo, um projeto excessivamente ambicioso (predomínio da Petrobrás no pré-sal, um gigantesco programa de investimentos numa área difícil, com a utilização da melhor tecnologia, exigência de conteúdo nacional nos equipamentos e abertura de novas atividades, como construção naval e tudo isso em prazo muito curto) passou a enfrentar grandes dificuldades, antes mesmo de se saber o tamanho do Petrolão, devido ao excesso de endividamento da Petrobrás, ao controle de preços de combustíveis e, agora, a queda nos preços internacionais do óleo.
Na energia elétrica, a populista baixa forçada nas tarifas expressas na MP 579 (Lei 12.783) no final de 2012, desorganizou completamente o setor, provocando uma virtual quebra no sistema Eletrobrás e grande piora do balanço da maioria das empresas do setor. A escassez de água, derivada da seca atual, complica a situação e deve levar o País a algum tipo de racionamento, o que já afeta negativamente consumidores e produtores, como se viu no apagão da semana passada. Finalmente, ainda no setor de energia, é conhecida a difícil situação do setor produtor de etanol.
Boa parte da desaceleração dos investimentos está direta e indiretamente relacionada aos problemas da área de energia que implicam numa elevação do custo corrente, uma elevação do custo de investimento e uma maior ineficiência do sistema produtivo.
Ao lado do setor energético, temos um problema na indústria automotiva, no qual, mais uma vez, a excessiva ambição (Inovar Auto) acabou por provocar uma capacidade de produção muito maior do que o tamanho do mercado. Duros ajustes estão em andamento.
Chamaria também a atenção para a difícil situação dos bens de capital decorrente dos desajustes descritos anteriormente.
Há, ainda, o resultado dos evidentes excessos na concessão de gigantescos volumes de crédito público. O custo disso só será conhecido mais adiante, mas as vendas de carteiras ruins de crédito já realizadas ou anunciadas por bancos públicos são indicadores do que vem por aí.
Finalmente, existe o desastre da governança: 39 ministérios, fracas equipes, aparelhamento das agências reguladoras, projetos mal costurados e falta de avanço na operacionalização das regras ambientais resultam em grandes atrasos e estouro de custos nos projetos públicos. Entretanto, tudo isso fica pequeno frente à dimensão das estruturas de corrupção, que a chamada operação Lava Jato agora desnuda.
É preciso também considerar que existe um efeito interação entre esses fatores, que tornam a situação ainda mais difícil. Por exemplo, em decorrência da operação Lava Jato, a situação financeira de boa parte das empresas se elevou e suas avaliações de riscos pioraram. Com isso, o risco de crédito fica pior, o que, associado à elevação de juros e ao enfraquecimento da demanda, leva o sistema bancário a operar de forma muito mais defensiva, resultando em um aperto muito maior do que ocorreria se apenas a alta da Selic estivesse no cenário. Há um grande receio nos agentes de que estejamos próximos de uma onda de insolvências empresariais (recuperação judicial).
Tendo em vista esta situação, fica mais fácil perceber que não houve outra alternativa para o governo senão partir imediatamente para um programa de ajuste. Na parte fiscal, está montada uma coisa bastante razoável e a política monetária, com a decisão do Copom da semana passada, completa a fase inicial do programa.
Em vista do exposto, gostaria de fazer três observações:
- Os heterodoxos, pais do desastre, falarão que a recessão que se avizinha será consequência da política neoliberal expressa em programa de ajuste do ministro Joaquim Levy. Aliás, um de seus líderes já assim se colocou neste mesmo jornal no domingo passado. Nada mais falso, pois o efeito conjunto dos desarranjos macro, micro e de governança foram totalmente produzidos até o final do ano passado e eles sim são responsáveis pelo que está acontecendo na economia.
- Lamentavelmente teremos uma recessão neste ano. Projetamos na MB uma queda no PIB da ordem de 1%, e com viés de baixa, na minha opinião pessoal. Este resultado não depende apenas da política monetária e fiscal em curso, mas, sim, das outras questões que alinhamos há pouco (energia elétrica, água, efeitos da Lava Jato e etc.).
- A política proposta é insuficiente para enfrentar o problema no seu conjunto, uma vez que as questões de governança, regulatórias e de regime fiscal de longo prazo não estão colocadas.
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