sábado, 31 de janeiro de 2015

Mírian Leitão - Desastre fiscal

- O Globo

Um déficit nominal de 6,7% do PIB é um péssimo resultado. Uma alta na dívida bruta de 6,6 pontos em apenas um ano é um crescimento preocupante. Assim estão os números das contas públicas brasileiras: a cada nova divulgação, as notícias são um pouco piores. Ontem foi o dia de o Banco Central divulgar o cálculo do setor público consolidado, que é mais abrangente que o do Tesouro. O déficit foi o maior da série.

Os números do Banco Central surpreenderam: superaram as previsões mais pessimistas. Todo observador atento das contas públicas brasileiras sabia que o ano seria ruim, mas poucos esperavam uma deterioração tão rápida e tão aguda. Pelas contas do Banco Central, o setor público consolidado teve um déficit de R$ 32,5 bilhões, 0,63% do PIB em 2014. Todos terminaram o ano no vermelho: governo central, governos regionais e empresas estatais. De 2013 para 2014, o déficit nominal dobrou. Em números: somando o déficit primário com o que o governo pagou de juros da dívida, o rombo foi de R$ 343,9 bilhões. No ano anterior, 2013, fora R$ 157,6 bilhões. Saiu de 3,25% para 6,7% do PIB.

Quando se preparava a criação do euro, a Europa, em Maastricht, estabeleceu o limite de 3% de déficit nominal (aquele que junta todas as despesas correntes e mais o custo financeiro). O compromisso foi que tentariam respeitar esse limite. Nas crises, ele foi estourado. Mas ficou a convenção de que acima de 3% pode ser perigoso.

Um país como o Brasil não deveria ir além dos 3% porque tem uma dívida cara e porque se expõe a rebaixamentos da dívida. Se perder o grau de investimento, o país e suas empresas terão mais dificuldades de se financiar. Apesar de o governo ter repetido sempre que a dívida está em queda, isso é uma meia verdade. A dívida líquida estava caindo. Em dezembro, subiu 0,5% do PIB em relação a novembro. No ano subiu 3,1 pontos percentuais. Mas ainda parece razoável, 36,7%. Só que o que os credores, compradores de títulos do governo e agências de risco olham é a dívida bruta, um conceito mais amplo e internacionalmente comparável. Ela chegou em patamares perigosos. Subiu quase 10 pontos percentuais nos últimos quatro anos, atingindo 63,4%.

Foi um desastre o primeiro mandato da presidente Dilma na área fiscal. Se forem tiradas das contas as receitas extraordinárias, ou seja, recursos com os quais não se pode contar nos anos seguintes, porque só acontecem uma vez, o déficit primário chega, segundo a Rosenberg Associados, a 1,2%. "São evidências acachapantes de um caminho muito distante de qualquer limite de mínima responsabilidade. O primeiro mandato Dilma se encerra com a maior indisciplina fiscal das duas últimas duas décadas, fazendo com que o ajuste fiscal deixasse de ser opção para se tornar obrigação", disse a consultoria.

Relatórios nesses termos circularam ontem pelo mercado, mas expressavam o espanto diante do fato de que até as previsões mais pessimistas não haviam apostado em uma piora tão forte. E a constatação diante dos dados é que esse primeiro período de governo foi o pior da era do real.

O risco, todo brasileiro sabe. Vivemos no passado inflacionário as consequências do descontrole fiscal. O trabalho de pôr a casa em ordem será longo e difícil. Os truques e as alquimias na contabilidade pública adiaram o encontro com essa realidade que aparece agora nos dados do fim de 2014. A nova equipe econômica precisa ter persistência e não ser solapada por recuos, não ser atingida pelos estilhaços das facções internas do partido do governo, não ser desautorizada por broncas dadas do Palácio do Planalto.

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