- O Estado de S. Paulo
O mercado financeiro saudou a nova equipe econômica e pôs nela a expectativa de mudanças no sentido da recuperação dos fundamentos macroeconômicos degradados nos últimos anos. A premissa que está sendo adotada pela nova equipe é que, melhorando o resultado fiscal, crescem as expectativas dos empresários e, com elas, há novo ânimo para retomar investimentos, eleito como novo carro-chefe do crescimento econômico.
Mas será que essa inflexão na política econômica, com alguma contenção de despesas e elevação de vários tributos, é a resposta para a saída da crise? Não creio. Vamos aos fatos.
A nova equipe repete o mesmo erro de só estabelecer meta e foco no resultado primário para obter o equilíbrio fiscal, deixando de lado a principal despesa do setor público, que são os juros que vão ultrapassando o nível de 6% do PIB devido à alta Selic.
Caso essa equipe consiga cumprir as metas fiscais que definiu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ao final de 2017, após três anos de "ajuste" fiscal, a relação entre dívida bruta e PIB, principal termômetro fiscal, seria de 62,5%, que é superior (???) à que vigorou em outubro do ano que findou, de 62,0%.
Há, no entanto, sérias dificuldades para a obtenção desse frustrante resultado. Entre elas, seu limitado impacto, pois apenas 36% da despesa pública não financeira (que exclui juros) é de competência da União. Os restantes 64% são da alçada dos Estados e municípios, que foram beneficiados pelo Senado ao autorizar o refinanciamento de suas dívidas com a União em autêntica orgia fiscal, ferindo o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe terminantemente o refinanciamento a qualquer título.
Além da autorização concedida para mais endividamento dessas unidades federadas, é sabido que elas sempre procuram gastar o máximo para obtenção de dividendos políticos, e a falta de transparência fiscal é o biombo que as esconde do acesso dos meios de comunicação, que ficam restritos às despesas do governo federal, ou seja, aos 36%.
Ocorre que o orçamento federal contém verdadeiro cipoal legislativo, que engessa sua execução, restando cerca de 10% dele, em geral de investimentos, para serem alcançados na gestão. Tudo somado, a contenção de despesas não deve ultrapassar 0,5% do PIB, ficando a maior parte do "ajuste" na dependência de aumento de tributos.
Há que considerar, como preveem as diversas análises, que o crescimento econômico seja pífio novamente neste ano e no próximo, e as medidas tomadas de contenção de despesas e de elevação de tributos impõem freio à atividade econômica, repercutindo na diminuição da arrecadação de todo o setor público, como ocorrido em 2003, 2009 e 2014. Assim, corre-se o risco de reduzir o impacto das medidas tomadas, devido à frustração na arrecadação.
Chega a ser kafkiano que, à semelhança da nova equipe, a maioria das análises fiscais olha só para o resultado primário, "esquecendo" dos juros, principal causador dos déficits crônicos do setor público.
Neste ano, com taxa de juros média maior que em 2014, incidindo sobre uma dívida mais elevada pode causar uma despesa com juros próxima de 7% do PIB e, com resultado primário de 1,2% do PIB, que é a meta traçada pela nova equipe, o déficit fiscal seria de 6% do PIB (!), ou seja, mais endividamento e mais despesas com juros, em verdadeiro ciclo vicioso.
A armadilha da questão fiscal reside no fato de, enquanto os ministérios da Fazenda e do Planejamento procuram atingir o resultado primário de 1,2% do PIB, o Banco Central (BC), ao praticar uma Selic elevada com a justificativa de controlar a inflação, ocasiona despesa com juros em nível seis (!) vezes maior que o resultado primário.
Só nos últimos três meses o BC elevou 1,25 ponto porcentual na Selic, causando uma despesa adicional com juros de R$ 25 bilhões ao ano, ou seja, anulou bom pedaço do "ajuste" fiscal.
A política fiscal no País, independentemente de quem esteja no poder, se assemelha a um barco com duas pessoas em que uma rema contra a correnteza com pouco vigor (pequeno resultado primário) e a outra rema na direção oposta com muito vigor (alta despesa com juros). O resultado é o barco descendo (déficit fiscal) sem parar na corredeira cada vez mais intensa rumo à queda na cachoeira.
Caso não mude imediatamente essa política suicida de manter a Selic fora do padrão internacional, que é o da inflação no país: a) os déficits fiscais só tendem a se agravar, com elevação contínua da relação dívida/PIB; b) o custo de carregamento das reservas internacionais, pela diferença de 10 pontos entre a Selic e os juros dos títulos do Tesouro americano, alcança US$ 37 bilhões, ou, R$ 100 bilhões (!) por ano; c) é mantido o câmbio valorizado, prejudicando/inviabilizando a competição com o produto importado e muito menos no mercado externo, e gera rombo crescente nas contas externas.
Outra falha lamentável dessa política de "ajuste" fiscal é quanto ao crescimento econômico. As medidas tomadas vão agravar mais ainda a estagnação de 2014, repercutindo no desemprego e elevação da tensão social.
A Selic elevada só combate 20% da inflação, pois 80% do peso do IPCA vem de alimentos (25%), serviços (35%) e preços monitorados (20%), que variam independente da Selic. O consolo, se é que existe, é que a Selic já foi bem maior: FHC (21,51%), Lula (14,86%) e Dilma (2011/2014) 9,91%.
O que impede de eliminar essa distorção econômica é o argumento falacioso de que a Selic só pode cair se a inflação atingir o centro da meta de 4,5% e, isso dificilmente irá ocorrer se: a) não houver clima favorável para permitir boa produção de alimentos in natura (o que não ocorreu nos últimos quatro anos), pois a inflação de alimentos foi em média de 9,0% anual; b) a oferta de serviços não alcançar sua procura, causando nos últimos quatro anos inflação média de serviços de 8,5% ao ano e; c) os preços monitorados, fortemente contidos nos últimos anos, e agora sendo majorados fortemente, não evoluírem próximos ao nível médio da inflação.
Uma coisa é conseguir controlar as despesas primárias (despesas exceto juros), o que é pressuposto da boa política econômica e deve ser sempre perseguido, pois a fonte dos recursos provém da população. A outra é deixar de lado, como se não existisse, a elevada despesa com juros, em atitude semelhante à do avestruz que esconde a cabeça no buraco diante da ameaça.
Ao não priorizar o combate à gastança com juros, o governo conduz o País para a borda da cachoeira: déficits fiscais crescentes, contas externas caminhando para déficits acima de US$ 100 bilhões (!) e estagnação econômica. Vale conferir.
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