- O Globo
"O que o povo quer, esta Casa acaba querendo". A frase famosa do então presidente da Câmara, deputado do PMDB Ibsen Pinheiro, deu a partida para a instalação do processo de impeachment do presidente Fernando Collor em setembro de 1992. O que está em jogo para o governo Dilma na disputa de hoje da presidência da Câmara é justamente ter no comando da Casa que define a instalação do processo de impeachment um aliado confiável.
A base aliada do governo está rachada desde a campanha presidencial, e hoje essa divisão se explicita na candidatura do deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB, contra o petista Arlindo Chinaglia. Sem condições de fazer um acordo de rodízio entre os dois principais partidos da sua base aliada, Dilma só tem a perder na eleição de hoje.
Vencedor, Cunha sabe que o Planalto tramou em todas as medidas possíveis para vê-lo derrotado. Nada deve ao governo ou ao PT, ao contrário. Derrotado, fará sua liderança natural no PMDB trabalhar contra o governo, ampliando a dissidência, que já é grande.
Também no Senado o governo enfrenta problemas, embora a situação do senador Renan Calheiros seja aparentemente mais tranquila do ponto de vista eleitoral, embora seja mais complicada juridicamente. Nada indica que o senador Luiz Henrique, que representa a dissidência peemedebista, tenha condições de vencer a disputa, embora, sendo a eleição secreta, sempre é possível haver traições que desequilibrem as apostas.
No caso de Calheiros há um ingrediente a mais, que Cunha aparentemente retirou de sua frente ainda na campanha: tudo indica que o nome de Calheiros estará na lista dos parlamentares envolvidos no petrolão, o que fará com que ele, vencedor, seja um presidente do Senado enfraquecido pelas acusações. Essa possibilidade também está sendo uma pedra no seu caminho, já que há senadores francamente preocupados com essa possibilidade, considerando que para a reputação do Senado seria melhor evitar esse tipo de exposição.
O Planalto joga suas fichas em Renan Calheiros por ser um aliado confiável e, sobretudo, por Luiz Henrique ter sido um dissidente claro na campanha presidencial, apoiando o candidato do PSDB, Aécio Neves. A oposição fechou apoio aos dois candidatos que mais a representam, Luiz Henrique e Júlio Delgado, do PSB, que se dispõe a ser um tertius na escolha para a presidência da Câmara, mas aparentemente não tem chances nem mesmo de ir para o segundo turno.
A manutenção do apoio tucano no 1º turno ao candidato do PSB serve para manter a base oposicionista unida, mas tudo indica que a vitória de Cunha num provável 2º turno se deverá ao apoio da oposição, especialmente do PSDB.
O líder do PMDB terá muitos votos tucanos já no 1º turno, mas o interesse do partido é, após prestar sua solidariedade ao PSB, ser o fiador da derrota do governo. No Senado, Luiz Henrique terá o apoio da dissidência do PMDB e os votos da oposição.
Cunha tem, na teoria, a maioria dos votos, com apoio de PMDB, PTB, SD, DEM, PRB e PSC, com 161 deputados. Mas a traição de eleitores de PTB e PRB tem de ser considerada. Chinaglia tem apoio de PT, PSD, PROS e PCdoB, com 126 deputados. Mas pode perder votos até do PT, e certamente o apoio do PSD não é tão firme assim. A bancada do Rio, por exemplo, foi liberada pelo partido para votar em Cunha.
Júlio Delgado, do PSB, conta com os 106 votos de PSB, PSDB, PPS e PV, mas também deve perder votos para Cunha já no primeiro turno. O PSOL marcou posição lançando o deputado Chico Alencar, mas não mobilizou a dissidência. Os 5 votos da bancada, porém, podem fazer falta a Chinaglia no final das contas.
A motivação maior para montar a base aliada gigantesca que o governo Dilma tem hoje teoricamente no Congresso foi defensiva, desde o governo Lula depois do mensalão: evitar a convocação de CPIs e impedir, no limite, a instalação de um processo de impeachment. A consistência dessa base política para garantir esses objetivos, no entanto, já é questionável, e por isso a eleição de hoje tem um valor político transcendente para o governo.
Saberemos a quantas andam as tropas governamentais para as batalhas sangrentas que virão pela frente, até mesmo, no limite, por um processo contra a presidente Dilma - que já chegou a ser tema de um estudo do jurista Ives Gandra Martins, que vê "elementos jurídicos" para que seja pedido o impeachment da presidente por "improbidade administrativa".
Nenhum comentário:
Postar um comentário