• Consumidores se adaptam para driblar alta de tarifas
Bruno Rosa e Andrea Freitas – O Globo
RIO - As contas de luz espantaram o consumidor este mês. Além do aumento do consumo por causa do uso do ar-condicionado para enfrentar o verão, a cobrança já inclui a bandeira tarifária, que gera um custo extra de R$ 0,03 a cada quilowatt-hora (kWh) consumido. E o valor a ser pago em fevereiro é apenas o presságio de um cenário ainda pior até o fim do ano. De acordo com consultorias do setor, quem mora no Rio de Janeiro e em São Paulo vai sofrer com uma alta de até 70% na conta da energia elétrica até dezembro. A estimativa é quase três vezes maior do que a projetada no último trimestre do ano passado, quando especialistas falavam em preços 25% mais salgados em 2015. Além da falta de chuvas e do uso da energia mais cara das termelétricas, o Sudeste vai arcar ainda com a tarifa maior de Itaipu, diante da forte alta do dólar.
Este mês, as contas no Rio já chegaram mais caras, com o reflexo do reajuste da Light, de 19,11% em novembro, e da implantação do sistema de bandeiras tarifárias, que começou a valer este ano e repassa ao consumidor o aumento no custo na geração de energia. Desde janeiro, foi adotada a bandeira vermelha, que indica um custo mais alto devido ao baixo volume de chuvas. A fatura de fevereiro já reflete esta cobrança integralmente. Por isso, o susto ao receber a conta de luz. Aos consumidores, a alternativa foi mudar hábitos para driblar os preços mais elevados.
Ar-Condicionado no Shopping
É o que fizeram Karoline Cabral e Leonardo Spinola. O casal mora em um apartamento de dois quartos em Botafogo e passa o dia fora de casa, trabalhando. O susto foi grande quando a conta mais do que quintuplicou, saltando de R$ 53,68 em dezembro para R$ 291,58 em janeiro.
— Em janeiro, ligamos o ar uns 15 dias, à noite. Geralmente, minha conta custa R$ 40, R$ 60. Esperava pagar até R$ 200 por causa do ar. Mas a conta foi de R$ 291,58! Agora, a gente tem que pensar muito antes de ligá-lo. No nosso apartamento, bate sol da tarde. No fim de semana, vamos ao shopping, ao cinema, a lugares climatizados, saímos de casa para não ligar o ar — conta Karoline.
Nesse cenário, mesmo quem não tem o hábito de verificar o extrato mensal da conta de luz se assustou com o valor pago. Nas redes sociais, são frequentes as reclamações sobre o aumento do preço. Em geral, as pessoas sabem que a luz está mais cara, mas não entendem a cobrança e desconhecem a bandeira tarifária. E para gastar menos vale tudo: colocar a família para dormir num só quarto e ligar apenas um ar-condicionado, reduzir o uso do ferro elétrico e da máquina de lavar, trocar lâmpadas e até tomar banho frio.
A artesã Flavia Tadic mora com a irmã e a filha de 6 anos em uma casa de três quartos no Recreio. E nunca verificava a conta. Mas ficou chocada ao notar que a cobrança em débito automático passou de R$ 470,54 em janeiro para R$ 825,02 em fevereiro. Para evitar que a próxima conta seja tão alta, Flavia, que trabalha em casa, já mudou alguns hábitos. Mas acha que não há como reduzir muito mais:
— Antes, trabalhava com o ar-condicionado ligado. Agora, comprei um ventilador do tipo torre. Todas as luzes são fluorescentes ou de LED, as da parte externa só acendem quando está escuro. A roupa era passada três vezes por semana, agora, só uma. Mas não abro mão do ar-condicionado para dormir. Já mudei o que podia mudar. Acho que a única coisa que dá para fazer é desligar um boiler.
Flavia ressalta que os aumentos sucessivos, como a inclusão da bandeira tarifária e sua rápida elevação, dificultam o controle do consumo e a mudança de hábitos, já que a conta continua subindo.
A conta de luz do ator Gerson Ferreira, que geralmente é de R$ 400, ultrapassou R$ 800 em janeiro. Além de reduzir o uso do ar-condicionado, ele, a mãe e os dois irmãos descartaram um dos dois interruptores da sala, diminuindo o número de lâmpadas utilizadas. Também abriram mão do banho quente e diminuíram o uso da bomba da piscina.
Mas a forte alta na fatura de energia já verificada pelos consumidores é só o começo. O reajuste concedido às empresas nos últimos meses e a implantação do sistema de bandeiras tarifárias não foram suficientes para cobrir o rombo das distribuidoras, dizem as consultorias Safira, Thymos e Andrade & Canellas. Por isso, a partir do próximo mês, o valor da bandeira tarifária passará de R$ 0,03 para R$ 0,055 por kWh consumido. Na próxima semana, o governo vai definir os valores de reajustes extraordinários a serem concedidos às empresas e que devem começar a valer em março. Especialistas acreditam que o aumento extra será de, ao menos, 20%.
— Somando esses fatores, consumidores de estados da Região Sudeste, como Rio e São Paulo, terão um aumento até o fim deste ano entre 60% e 70% nas contas de luz em relação ao fim de 2014. No Brasil, a alta média deve oscilar de 45% a 50%. O Sudeste vai sofrer impacto maior porque, além da falta de chuvas e da geração de energia mais cara das termelétricas, a região recebe energia da usina de Itaipu, que, por causa da alta do dólar, teve aumento de 46% na tarifa no mês passado. Enquanto isso, a demanda por energia continua elevada, sobretudo, entre consumidores residenciais e comerciais — diz Ricardo Savoia, diretor da Thymos Energia.
Faixa de consumo afeta preços
Andre Crisafulli, presidente da Andrade & Canellas Energia, também reforça que o preço da eletricidade em Rio e São Paulo subirá entre 60% e 70% no ano. Ele diz que, apesar do aumento da energia que vem de Itaipu ser um agravante, a alta de 83% no valor da bandeira tarifária será mais prejudicial.
— Em relação aos reajustes extraordinários, vamos ter que aguardar como será feito o repasse desses aumentos. O governo deve informar os detalhes apenas na próxima semana. Na atual situação do setor elétrico, não há mais mecanismo que não seja repassar as altas para as tarifas, já que o governo não fará mais aportes via Tesouro — diz Crisafulli.
Segundo especialistas, o total do socorro às empresas do setor já chegou a cerca de R$ 60 bilhões. Desse montante, diz o presidente da Andrade & Canellas, R$ 40 bilhões serão repassados às tarifas.
— Na média, os aumentos no país ficarão perto de 50%. Sem chuvas em um volume suficiente, 100% das termelétricas continuarão gerando energia mais cara até 2016. O governo já deveria ter pedido à população para economizar, com campanhas de conscientização — ressalta Crisafulli.
Especialistas recomendam que o consumidor verifique mensalmente a conta. Acompanhar a evolução do preço unitário do kWh ajuda a identificar a alta do custo da eletricidade. Ficar atento à faixa de consumo é importante, pois ao mudar de patamar, a alíquota de ICMS a ser paga muda, varia de isenção a 29%. No Rio, a contribuição de iluminação pública também aumenta conforme o consumo.
— É preciso que o consumidor pare para pensar no próprio consumo. O ferro de passar e o chuveiro elétrico ainda são vilões — destaca a diretora de comunicação da Ampla, Janaina Vilella.
Fábio Cuberos, gerente de Regulação da Safira, diz que parte dos aumentos, além dos já previstos para este ano, é reflexo de erros cometidos em 2014, como adiamento da aplicação das bandeiras tarifárias, que entrariam em vigor em janeiro do ano passado, e empréstimos às concessionárias, que já enfrentavam problemas de caixa por causa do custo das termelétricas e da energia no mercado livre.
— A bandeira tarifária, criada em 2013, levou em conta um cenário que piorou no ano passado. O governo teve que rever o valor das bandeiras. Com a revisão extraordinária das tarifas, as estimativas mudaram — diz Cuberos, destacando que prevê alta de 54,7% nos preços de energia no Sudeste.
Enquanto as projeções de alta da tarifa disparam e o consumidor tenta driblar o aumento da conta de luz, o nível dos reservatórios de hidrelétricas continua baixo, segundo o Operador Nacional do Sistema: 19,17% em Sudeste/Centro-Oeste, 16,65% no Nordeste, 48,45% no Sul e 36,97% no Norte.
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