• Presidente da Constran, empresa da holding UTC, confirma ter conversado com dirigente do Instituto Lula para tratar de falta de verba e nega ter citado operação
Andreza Matais – O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Presidente da Constran, empresa da holding UTC, João Santana, afirmou em entrevista ao Estado que o governo Dilma Rousseff tem usado a Operação Lava Jato como desculpa para atrasar pagamentos às empreiteiras. “Eu já tenho quase 60 anos, eu nunca vi um governo numa situação como esta. Ele não paga fornecedor. No nosso caso tem fatura desde outubro que não são pagas”, reclamou Santana.
A UTC é uma das empresas cujos dirigentes foram presos na sétima fase da Operação Lava Jato. O sócio e ex-presidente da empresa, Ricardo Pessoa, cumpre prisão preventiva em Curitiba.
Por que o senhor procurou o Paulo Okamotto?
Eu estive com o Paulo Okamotto no ano passado, em novembro ou dezembro. Fui porque há três anos o presidente Lula estava na nossa empresa fazendo uma palestra de final de ano e nos incentivou muito que sempre procurássemos o instituto (que leva o nome do ex-presidente e é dirigido por Okamoto), o próprio Okamotto, para contar para ele o que estava acontecendo, se tivéssemos algum problema.
O senhor queria falar com o Okamotto ou com o próprio presidente Lula?
Eu queria falar com o presidente Lula, mas cheguei lá e o presidente Lula não estava.
O presidente Lula queria saber como estão as coisas?
Eu quero dizer que as coisas estão muito difíceis, que o governo não está pagando faturas vencidas, de um trabalho realizado, isso faz com que as empresas fiquem sem dinheiro e demitam. Vai ter que parar as obras, o que aliás é o que está acontecendo no Brasil independentemente de Lava Jato. Nesse sentido que eu fui conversar com ele.
Mas as empresas envolvidas na Lava Jato não estão recebendo justamente por esse motivo, por estarem sob suspeita?
O governo está usando essa coisa de Lava Jato para aproveitar e não pagar ninguém. O crédito para a educação não foi pago (uma referência a atrasos nos repasses do Pronatec). Da mesma maneira o governo sistematicamente não vem pagando seus fornecedores. Eu já tenho quase 60 anos, eu nunca vi um governo numa situação como esta. Ele não paga fornecedor. No nosso caso tem fatura desde outubro que não é paga.
O senhor não tentou procurar a presidente Dilma?
Não. Eu não tenho essa proximidade com ela.
Mas por que não procurar alguém do governo?
O problema é que o ministro da Fazenda que deveria fazer os pagamentos, que era o Guido Mantega na época, estava demissionário; a presidente já tinha dito que ele não seria mais o ministro, e nem ele nem a equipe dele faziam nada (Joaquim Levy foi confirmado no lugar de Mantega em 27 de novembro, mas só assumiu o cargo no início do segundo mandato de Dilma). No Ministério dos Transportes o ministro Paulo Passos simplesmente preenchia uma cadeira, mas não tomava nenhuma ação. Assim sucessivamente (ocorria com) a equipe toda do governo Dilma.
O senhor disse que procurou o presidente Lula porque ele deu essa abertura. O que ele poderia fazer nessa situação?
É um político, um cara que pode... O que é que você faz? Tem um governo, o governo é político, você vai procurar as pessoas que estão no governo, não tem ninguém no governo, ninguém mais se dizia responsável. Você está tendo uma resultante social que é o fato de o governo não pagar suas obrigações. O Instituto Lula é ligado aos trabalhadores, defende (a manutenção do) emprego. A gente vai lá para o ex-presidente procurar a amiga dele e dizer: “Amiga, veja o que você faz. Obrigação tem que pagar”.
Com a entrada da nova equipe econômica, o senhor acha que melhorou a interlocução?
Continua sem ter interlocutor. O governo pagou um pedaço do que devia, mas ainda deve muito, ainda tem resto a pagar em 2014.
O que está acontecendo com o atual governo?
Se não está pagando, então é porque há uma crise administrativa no Estado. Não é que não está pagando a Constran. Não está pagando ‘n’ fornecedores. Eu imaginava que não pagava para a construção civil, mas vimos que não é só isso.
A Lava Jato foi assunto de sua reunião com Paulo Okamotto?
Eu não procurei o senhor Paulo Okamotto para tratar com ele sobre Lava Jato. Ele até perguntou, mas eu mudei porque é um assunto que no nosso caso tem que ser tratado por nossos advogados. O nosso grupo, a UTC/Constran, não procurou qualquer autoridade política para discutir Lava Jato. As únicas autoridades públicas procuradas por nós são os juízes, promotores, através dos nossos advogados.
Os relatos são de que sua reunião com o Okamotto foi tensa. Teve até murro na mesa.
Não tinha nem mesa para bater, porque a gente estava sentado numa sala de estar.
Falou-se muito que o Ricardo Pessoa, ex-presidente da UTC que foi preso pela PF em novembro, faria uma delação premiada e que isso teria sido colocado nessa conversa com o Okamotto. As dificuldades de caixa poderiam levar a uma delação....
Isso não foi colocado de maneira alguma. Até porque essa reunião com o Paulo Okamotto foi no final do ano. As prisões eram recentes, naquele momento todo mundo imaginava que mais alguns dias as pessoas estariam soltas. A conversa não foi boa porque ele começou a dizer: “Sabe, eu vou ver”. Eu falei para ele: “Paulo, desculpe, estou apenas colocando uma realidade conforme o seu chefe disse, que sempre que a gente precisasse, trouxesse aqui para o Instituto Lula. Isso não está acontecendo apenas com a empresa que eu dirijo, mas com todo o setor”. Não só empresas nominadas na famosa Operação Lava Jato, mas com outras. O governo federal não paga as empresas.
O senhor pediu ajuda para liberar dinheiro do BNDES? Okamotto disse que orientou o senhor a procurar os bancos.
Para o Okamotto, não. Até porque eu sei que ele não tem capacidade nenhuma (para isso). As relações que a gente tem com o BNDES são formais, o contrato foi aprovado e está em curso.
Vocês conseguiram o empréstimo antes ou depois da conversa com Okamotto?
Foi posteriormente a isso. Mas não tem nada a ver com a conversa. Até porque o Paulo Okamotto não sabe nem onde fica o BNDES. Era simplesmente um empréstimo complementar.
Qual a impressão do senhor sobre o fato de a empreiteira Odebrecht não ter executivos presos pela Lava Jato?
O juiz do caso tem que responder por que parte das empresas denunciadas tem executivos presos e parte não tem. Ele deve ter suas razões para isso. Esse desbalanceamento das ações judiciais é um tanto estranho.
Ricardo Pessoa fará delação premiada?
A condução da defesa é tratada pelos advogados criminais e pela família. Por questão de governança, deixamos de tratar da defesa do dr Ricardo. Mas eu, pessoalmente, também como advogado, acho que é um instrumento que o réu, com o advogado, tem que lançar mão quando achar necessário.
Depois que virou lei você não pode deixar de ser contra.
Par Lembrar. A UTC, grupo do qual faz parte a Constran, é uma das seis empreiteiras que tiveram executivos e funcionários denunciados pelo Ministério Público Federal em dezembro do ano passado sob suspeita de envolvimento no esquema de corrupção e desvios na Petrobrás. Segundo a denúncia da Procuradoria, a empreiteira pagava comissões para dirigentes da Petrobrás em troca da obtenção de contratos da estatal, além de simular ambiente de competição, fraudar a concorrência e, em reuniões secretas, definir quem ganharia as licitações.
Uma semana após a denúncia do Ministério Público, a Justiça Federal abriu ação penal e tornou réus por corrupção ativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro os três denunciados ligados à UTC: Ricardo Pessoa, presidente da companhia, João de Teive e Argollo, executivo, e Sandra Raphael Guimarães, funcionária da empresa.
Pessoa está preso em Curitiba desde 14 de novembro do ano passado, quando foi deflagrada a 7.ª fase da Operação Lava Jato, que mirou nas empreiteiras. Segundo um dos delatores da operação, Augusto Mendonça, o presidente da UTC era o “coordenador” do “clube” de construtoras que atuava em cartel na Petrobrás. Mendonça disse que Pessoa, como “chefe do clube”, atuou, por exemplo, na obra de modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar, na foto), no Paraná.
Em depoimento à Polícia Federal prestado logo depois de ser preso, Pessoa afirmou que “nunca existiu” formação de cartel para contratação de obras na Petrobrás.
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