domingo, 22 de fevereiro de 2015

Eliane Cantanhêde - Devo, não nego...

- O Estado de S. Paulo

Depois de doar (ou emprestar?) R$ 21,7 milhões às campanhas do PT em 2014, sendo R$ 7,5 milhões para a reeleição de Dilma Rousseff, nada mais natural que a empreiteira UTC bata à porta do partido e do governo pedindo socorro e ameaçando neste, digamos, momento de dificuldades. A questão é saber como Lula, Dilma e o PT querem, e podem, pagar essa dívida.

A UTC é apontada como coordenadora do esquema da Petrobrás e seu dono, Ricardo Pessoa, é o homem-bomba da vez, mas ela nem é a empreiteira prioritária na agenda, nas relações e nas viagens do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que, depois de descer a rampa do Planalto, cruzou céus e mares a bordo de jatinhos e de interesses principalmente da OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht.

Mas isso é um detalhe. O fato é que, com seus executivos trancafiados há meses e perdendo financiamentos, negócios e credibilidade, todas as grandes empreiteiras entraram em desespero. E correram para quem? Até onde se saiba, para o amigão Lula, como revelaram as repórteres Débora Bergamasco e Andreza Matais, doEstado, e para o ministro justamente da Justiça, José Eduardo Cardozo, que não faz outra coisa senão tentar se explicar.

Em política e em comunicação, nada pior do que ter de se explicar dia e noite, ainda mais num ambiente hostil. Quando as coisas vão bem para o PT e para o governo, as versões colam. Quando as coisas vão mal na economia, na política e na área ética, tudo muda de figura. Os ouvidos se fecham, a boa vontade escasseia.

E há um problema teológico e outro "técnico": Lula não pode tudo, e o governo inteiro promete o que quiser, fala em reviravolta da Lava Jato, ajuda a criar obstáculos jurídicos, mas é preciso combinar com os adversários. Executivo é Executivo, Judiciário é Judiciário. Sem falar que o juiz Sérgio Moro vestiu uma armadura à prova de pressões.

Então, que Ricardo Pessoa ameace e que os empreiteiros façam fila no Instituto Lula, no Ministério da Justiça, quiçá no Planalto, mas o que Lula, Dilma e Cardozo podem fazer? Tirar Moro do processo, cercear o trabalho dos procuradores, dar ordem de comando para os policiais federais?

Até agora, há dois fatores a favor dos empreiteiros, de seus executivos e advogados (que, aliás, andam num assanhamento juvenil diante desse mar de oportunidades). Um é o habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal para Renato Duque, o homem do PT no esquema da Petrobrás. É claro que anima os demais presos.

Outro fator é a formalidade na obtenção de provas no exterior. Os procuradores se precipitaram e correram atrás delas antes de acionado o tratado entre Brasil e Suíça? Caso afirmativo, as provas perdem o valor? Bem, isso é lá com os advogados e seus clientes, mas, do ponto de vista policial, político e de comunicação, não mexe uma palha nesse palheiro.

Enquanto isso, Dilma, publicamente, e Lula, nos bastidores, tocam num ponto sensível: o poder real (não só eleitoral) das empreiteiras, que geram renda e milhões de empregos. Uma quebradeira do setor teria efeito em cascata sobre toda a economia.

O preço, porém, pode valer a pena. Jogar a poeira, a roubalheira e os bilhões roubados debaixo do tapete, em nome da estabilidade da economia, seria muito mais danoso ao Brasil do que abrir essa caixa-preta para defender o interesse nacional de hoje e do futuro. É um bom começo para a turma política, empresarial e executiva botar as barbas de molho e ir mais devagar com o andor da roubalheira.

A ilha. Concluída a equipe econômica, está confirmado que Joaquim Levy é uma ilha no governo. Além de Nelson Barbosa (Planejamento), também Aldemir Bendini (Petrobrás), Luciano Coutinho (BNDES), Miriam Belchior (CEF) e Alexandre Abreu (BB) são leais súditos do império petista. Se a coisa não aprumar, adivinha quem será o mordomo da história...

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