• O círculo da corrupção começa a se fechar nos próximos dias, quando o procurador-geral da República enviará ao STF os primeiros nomes de políticos acusados de se aliar a diretores da Petrobras e construtoras para assaltar os cofres da estatal
Mariana Barros – Veja
No cafezinho, nos corredores e nos gabinetes do Congresso, o assunto nesta semana será um só: a lista de Janot. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, passou os últimos meses analisando os indícios que pesam contra políticos acusados nas investigações da Lava-Jato. A operação que revelou a existência de um esquema montado para assaltar os cofres da Petrobras completará um ano no mês que vem. Na primeira fase, ela se concentrou na gangue que atuava dentro da estatal e que tinha como um dos principais obreiros o ex-diretor e agora delator premiado, Paulo Roberto Costa.
No fim do ano passado, o alvo foi o clube do bilhão. Nessa etapa, os investigadores fizeram um cerco em torno de empreiteiros que, segundo os delatores, pagaram centenas de milhões de reais em propinas para obter contratos, bilionários e superfaturados, com a estatal. Para fechar o círculo da corrupção, no entanto, faltava entrar na mira da Justiça uma última categoria: a dos políticos que ajudaram a montar o esquema ou acobertá-lo em troca da parte mais polpuda das "comissões" pagas pelo clube do bilhão. Agora, chegou a vez deles.
A lista de Janot contém em torno de quarenta nomes de deputados, senadores e governadores acusados de se locupletar dos milhões do petrolão. Ela foi elaborada com base nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, além dos testemunhos de mais de uma dezena de delatores premiados - entre eles, Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e os executivos Julio Camargo e Augusto Mendonça, ambos da construtora Toyo Setal.
Cada um dos políticos incluídos na relação de Janot pode ter três destinos diferentes. Se o procurador-geral considerar que há elementos suficientes para levar o político a julgamento, ele será denunciado ao Supremo e, caso a corte aceite a denúncia, vai se tornar réu. Se avaliar que há indícios contra ele, mas não o suficiente para levá-lo a julgamento, pedirá a abertura de um inquérito para que as investigações prossigam. O procurador pode também simplesmente pedir o arquivamento das investigações sobre um acusado se considerar que não há nada que as justifique.
Com a chegada do caso ao STF, todos os nomes de políticos acusados de envolvimento no petrolão vão se tornar públicos. Até agora, estavam sob sigilo - por terem foro privilegiado, políticos não podem ser processados na Justiça comum como os outros envolvidos no caso, cujos nomes já são conhecidos e que estão desde março sob a pesada caneta do juiz federal Sergio Moro. No ano passado, porém, VEJA antecipou que entre os suspeitos de envolvimento no petrolão com foro privilegiado estão ao menos seis senadores — incluindo Renan Calheiros (PMDB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Edison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR). Mais tarde, em depoimentos de testemunhas e delatores, outros nomes de políticos surgiram como beneficiários do dinheiro do petrolão, como o senador Fernando Collor (PTB-AL), a hoje senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o deputado Nelson Meurer (PP-PR).
Alguns dos acusados deixaram de ter mandato no fim do ano. Foi o que aconteceu com os ex-governadores Roseana Sarney (PMDB-MA) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), os ex-deputados Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Luiz Argôlo (SD-BA), Cândido Vaccarezza (PT-SP), André Vargas (ex-PT-PR) e João Pizzolatti (PP-SC) e o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte. Com isso, eles perderam o direito de ser julgados pelos tribunais superiores. A lei prevê que o procurador-geral da República devolva a análise dos seus casos à primeira instância - o que significa que eles voltarão às mãos do juiz Moro.
Ao contrário do que ocorreu com o mensalão, quando todos os processos foram condensados em uma única ação penal no STF, desta vez o procurador-geral deve apresentar denúncias individuais e pedidos também separados de abertura de inquérito para os suspeitos de participação no esquema da Petrobras. Dessa forma, Janot e sua equipe esperam agilizar os julgamentos. Há outra diferença em relação ao julgamento do mensalão que também promete tornar as decisões mais rápidas. Em maio do ano passado, o STF decidiu que os crimes comuns de congressistas - e rapinar a Petrobras se encaixa nessa categoria - não seriam mais julgados pelo plenário, formado por onze ministros, e sim pelas Turmas, grupos menores compostos de cinco integrantes. A Segunda Turma, à qual caberá a análise da Lava-Jato, é constituída pelos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Deveria haver um quinto integrante, mas uma das cadeiras está desocupada desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, em agosto. A presidente Dilma Rousseff tem dado indícios de que planeja finalmente preencher a vaga, que, por sinal, é a que por mais tempo ficou aberta no STF em toda a sua gestão. Para que o círculo da Justiça comece finalmente a se fechar, no entanto, o primeiro passo agora tem de ser dado pelo procurador. O Brasil aguarda por Janot. E, neste caso, a espera não será vã.
Os alvos da lava-jato
• Depois dos funcionários da Petrobras e dos donos de empreiteiras, chegou a vez dos políticos. Dentro de alguns dias, eles entrarão no foco da investigação.
Em março do ano passado, a Polícia Federal prendeu trinta pessoas envolvidas em um esquema de lavagem de dinheiro - entre elas, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Os dois fecharam acordo de delação premiada com a Justiça e revelaram o esquema de corrupção que ficou conhecido como petrolão.
Em novembro, como consequência dos depoimentos dos delatores, a PF prendeu onze executivos da OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e Galvão Engenharia. Eles são acusados de formar um cartel com o objetivo de fraudar licitações e superfaturar obras na Petrobras, com a ajuda do ex-diretor Costa e de outros funcionários corruptos da estatal. Parte do dinheiro superfaturado ia para o bolso dos funcionários e parte para o bolso de políticos que organizavam ou acobertavam o esquema.
Nos próximos dias, o procurador-geral da República vai denunciar ao STF os políticos acusados de receber dinheiro para chefiar ou acobertar o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. Os nomes foram citados ao longo dos últimos meses por delatores e testemunhas, mas, por terem foro privilegiado, políticos não podem ser denunciados na primeira instância como os outros réus. No ano passado, VEJA revelou alguns dos principais nomes da lista. Ela inclui ao menos seis senadores, um ministro e 25 deputados federais.
Arthur Lira ou Arthur Cesar?
0 deputado federal Arthur Lira é um nome dado como certo na lista de políticos implicados em ações ilícitas na Operação Lava-Jato a ser divulgada em breve por Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Lira, do PP alagoano, aparece, e muito bem colocado, em outra lista também ligada ao tema da Justiça. Esta, porém, é mais nobre. Lira é nome quase certo também para assumir um dos postos-chave da Câmara, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Conviver com o nome de Lira nas duas listas vai exigir da Câmara dos Deputados um grau de elasticidade moral talvez inédito.
0 deputado Arthur Lira tem suas credenciais para estar em ambas as listas. Não foi parar nelas por obra do acaso. Lira foi líder do PP na Câmara, posto que ocupou até meados de 2013 e que o qualifica, pelo menos teoricamente, para postular a presidência da CCJ. Na outra lista, a do procurador Janot, ele deve ter seu lugar assegurado por suas relações com o doleiro Alberto Youssef, a cujo escritório em São Paulo ele comparecia, identificando-se como "Arthur Cesar Pereira".
Reveladas por VEJA no ano passado, as imagens das câmeras de segurança do prédio do escritório de Youssef ilustram as relações de negócio dos dois personagens. Não se sabe exatamente sob que luz Arthur Lira aparecerá na lista de Janot, mas Youssef já esquadrinhou em detalhes à Justiça como funcionava o esquema do PP na Petrobras. 0 deputado Arthur Lira nunca explicou o motivo da visita ao doleiro. Isso ficará esclarecido em detalhes no decorrer do processo, no âmbito da Procuradoria-Geral da República, que vai apurar responsabilidades de políticos com foro privilegiado, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.
A indicação de Lira para a CCJ faz parte de acordo entre o PP e o PMDB que garantiu a presidência da Câmara ao deputado Eduardo Cunha. 0 PMDB também tem representantes na relação de investigados na Lava-Jato. Para os políticos tragados pelo escândalo, ter um aliado no comando da comissão é questão de sobrevivência. 0 PT testou a fórmula na legislatura passada. No mensalão, o partido pôs o deputado João Paulo Cunha no comando da CCJ. Ele fez de tudo para dificultar as investigações.Tentou cooptar apoios e simpatia e preservou o mandato até fevereiro de 2014, quando foi condenado por corrupção passiva, preso e confinado no Centro de Prisão Provisória de Brasília, de onde deve sair nos próximOS dias por ter conseguido o benefício de cumprimento domiciliar da pena.
A estratégia de emplacar Lira na CCJ se combina com a ideia de preencher apenas com deputados sem nada a perder diante da opinião pública o Conselho de Ética, o órgão responsável por julgar os pedidos de cassação. Como em geral quem nada tem a perder em público tem muito a ganhar debaixo do pano, não se corre o menor risco de as manobras para salvar os políticos pegos na Lava-Jato enobrecerem o Parlamento.
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