• Posto assim contra a parede, o PT recorre à prática de sempre: apresenta-se como vítima de uma conspiração
- Folha de S. Paulo / Ilustrada
Nas últimas eleições para a presidência da República, votei em Aécio e estava certo de que Dilma Rousseff seria derrotada. Mas ela ganhou. Meu consolo foi verificar que ganhou por pouco mais de 3% dos votos.
De qualquer modo, seria melhor que ela tivesse perdido, pensava comigo mesmo, até que me dei conta de que a coisa não era tão simples assim. Ao considerar a quantidade de problemas que ela teria de enfrentar, avaliei melhor a situação --conforme escrevi aqui-- e concluí que ela havia deixado, para si mesma, uma verdadeira herança maldita.
E é o que está se vendo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que ela nomeou para tentar evitar que o barco afundasse, pensa o contrário dela e considera um erro a política econômica por ela imposta ao país.
Por isso mesmo, preparou uma medida provisória, enviada ao Congresso, que atinge algumas conquistas dos trabalhadores --como o salário desemprego, pensão e auxílio-doença. Mal a proposta chegou à Câmara de Deputados e as centrais sindicais se mobilizaram para impedir sua aprovação. E não só elas --que representam grande parte do eleitorado petista-- mas também parlamentares da base do governo e até do PT.
Já pensou no que vai dar isso? Se medidas dessa natureza não contam com o apoio dos trabalhadores e da base parlamentar governista, a situação econômica do país caminhará para um ponto crítico, cujas consequências políticas para o governo serão inevitáveis.
Isso sem falar na Operação Lava Jato, cujas denúncias se multiplicam, envolvendo gente da cúpula petista, como é o caso de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, que teria recebido, das mãos do denunciante, milhões de dólares em propina.
Trata-se de um fato tão grave que o próprio Lula se viu obrigado, na festa de aniversário do partido, a elogiá-lo e aplaudi-lo. Uma farsa, claro, mas também a única alternativa, pois se ficasse calado estaria admitindo como verdadeira a acusação, o que não se pode esperar de nenhum petista, muito menos de Lula, que aprendeu com o mensalão.
Tomado de surpresa, ao saber da denúncia, se disse traído para, depois, afirmar que o julgamento do Supremo Tribunal Federal foi 80% político, muito embora ele e Dilma tivessem nomeado nove dos 11 ministros que julgaram o processo.
Sucede que a situação, agora, é outra, não só porque os escândalos se multiplicam como suas consequências atingem a Petrobras, comprometendo seus investimentos e suas obras, de tal modo que a desmoralizaram, como empresa, no âmbito internacional.
É impossível avaliar em que vai dar tudo isso mas, certamente, em boa coisa não será. Para piorar, os trabalhadores de diferentes setores da estatal começam a manifestar publicamente seu descontentamento com os escândalos e o atraso de seus salários.
Certamente, devem se lembrar dos discursos de Lula e Dilma, afirmando que defendiam a Petrobras de seus inimigos, os tucanos, que queriam privatizá-la. Na verdade, quem a "privatizou" foram eles, que a usaram para enriquecer seu partido e se manter no poder.
Postos assim contra a parede, recorrem à prática de sempre: apresentam-se como vítimas de uma conspiração. Rui Falcão, presidente do PT, não teve a coragem de afirmar que a convocação de Vaccari pela comissão que apura os crimes da Lava Jato foi resultado de uma manobra para estragar a festa de aniversário do PT?! Como se alguém estivesse preocupado com semelhante efeméride!
Mas essa é a tática de sempre: quando alguém mostra que o PT pisou na bola, o faz porque está a serviço da elite, inimiga do partido defensor dos pobres e, assim, o petista corrupto passa a ser herói nacional, como José Dirceu e Genoino.
Enquanto isso, Lula e Dilma abrem os cofres do BNDES para dar dinheiro público aos empresários amigos e entregam a Petrobras à sanha das empreiteiras.
É razão suficiente para Aécio dizer: "Ainda bem que perdi as eleições." Com toda a razão. Já imaginou a campanha que Lula e sua turma estariam fazendo contra ele, quando tomasse as medidas que teria de tomar para recuperar a economia que Dilma afundou?
Melhor que ela arque com as consequências de seus equívocos. Quem pariu Mateus que o embale.
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Ferreira Gullar, ensaísta, critico de arte, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)
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