- O Estado de S. Paulo
É claro o movimento do Legislativo, abrangendo quase todo o espectro partidário, para desqualificar os inquéritos abertos a pedido da Procuradoria Geral da República contra parlamentares cujos nomes apareceram nas investigações da operação Lava Jato, por citações em depoimentos feitos sob o regime da delação premiada.
A alegada inconsistência de muitos desses pedidos de inquérito, sustentada informalmente por ministros e ex-ministros do próprio Supremo Tribunal Federal, abriu espaço para a acusação de politização do processo feita ao Procurador Rodrigo Janot pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e abraçada não só pela base aliada ao governo, como também pela oposição.
O depoimento de Cunha ontem na CPI, colhido por iniciativa dele mesmo, teve seu objetivo cumprido. Serviu à causa coletiva de formalizar o questionamento ao trabalho de Janot, acusado de convenientemente seletivo ao nivelar todos os casos, sem distinção entre aqueles com mais evidências de envolvimento no esquema da Petrobras, e os que acabaram na lista de investigados por citações vagas e, em alguns casos, não confirmadas – ou desmentidas – por um dos dois depoentes que fundamentaram os pedidos de inquérito.
A postura une o Legislativo e ajuda a estratégia do presidente da Câmara de fazer das peças de Janot fator de conflito entre poderes, aliando Executivo e Ministério Público a uma causa política de distribuir por todos os partidos as responsabilidades pelos crimes na Petrobras.
A estratégia é simplória até, mas sua viga de sustentação é o longo prazo de tramitação dos inquéritos abertos pelo Supremo, em atendimento ao Procurador Geral. Estima-se em, pelo menos, dois anos, com otimismo, para que comece e haver resultados concretos, porque inquéritos impõem mais investigações.
Como inquérito não pressupõe culpabilidade, mas tão somente investigação – e esta é questionada nos termos postos por Cunha e absorvidos pelo Legislativo, cria-se justificativa para que os atingidos pelos pedidos de Janot se mantenham em funções e cargos que ocupam em decorrência do mandato parlamentar, como já se determinaram os presidentes da Câmara e do Senado.
O cenário preserva a capacidade da base de sustentação do governo de manter a pressão sobre a presidente Dilma Rousseff, conforme posta desde a eleição de Cunha para a presidência da Câmara. Essa pressão já impôs à chefe do governo derrotas significativas e , mais recentemente, a ampliação de seu quadro de articuladores, incluindo o PMDB nesse contexto.
A tardia admissão da presidente da República com relação à insuficiência de seu trio de articuladores palacianos- os ministros Pepe Vargas, Miguel Rossetto e Aloísio Mercadante -, inviabilizou a inclusão do Vice Presidente Michel Temer no chamado núcleo duro do governo e impôs como solução a ampliação da equipe de articulação, com os ministros Aldo Rebelo (PC do B), Eliseu Padilha (PMDB) E Gilberto Kassab (PSD).
Sem dúvida, trata-se de um trio com trânsito no Congresso Nacional, ao contrário do que tem a missão formal de negociar. No entanto, essa força-tarefa já em ação estará voltada mais para a aprovação do ajuste fiscal do que para o resgate das relações políticas, embora não se deva imaginar que se limitarão a isso.
O problema é que, para além do ajuste fiscal, será difícil o PMDB, a base aliada e a oposição, abrirem mão da inversão já obtida do poder impositivo no âmbito das relações políticas. Ainda mais com a inserção do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, no grupo que a presidente da República agregou à articulação política.
Não por insuficiência de Kassab, que já se mostrou hábil e com senso do timing, essencial a um bom político. Mas ao assumir o patrocínio da criação do PL para fundir-se ao seu PSD e formar uma bancada igual ou maior que a do PMDB, reduzindo seu poder de barganha junto ao governo, tornou-se inimigo preferencial do partido, conforme já demonstrou claramente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Não por outra razão, ao abrir-se ao diálogo com os novos operadores do governo, o PMDB manteve a ressalva de tratar-se de diálogo para o processo de resgate da economia, conveniência geral, uma vez admitido como beneficiário final o eleitor.
De qualquer forma, a ação desse triunvirato já se fez notar na aprovação do acordo em torno do reajuste da tabela do Imposto de Renda, que o governo queria em 4,5% e a Câmara fixara em 6,5%. A proposta intermediária, de progressividade no reajuste em torno de 5,5%, evitou mais uma derrota anunciada do governo, que se daria pela derrubada do veto presidencial à decisão original da Câmara dos 6,5|%.
Embora não haja transparência da Fazenda na informação de que o reajuste abaixo dos 6,5% se traduz por aumento de imposto, o fato é que o governo conseguiu avançar nessa matéria já graças à ampliação de sua coordenação política.
As sessões da CPI, simultâneas às negociações em torno do ajuste fiscal, reforçam essa separação entre economia e política que produziu uma trégua para o Planalto no primeiro caso. Mas a delimitação desses dois territórios fica clara na linha estabelecida na comissão de que as investigações da Lava Jato devem ser estendidas ao que foi chamado pelos parlamentares rebeldes da base de “o outro lado da rua”.
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