• Manifestações serão teste decisivo para democracia. Tomara que seja protesto legítimo, não o ensaio de uma arriscada derrubada da presidente
- O Globo
Algumas semanas em férias dos acontecimentos e, na volta, a sensação de que o país está, como no mapa, de cabeça pra baixo. Não sei se essa é a pior crise dos últimos tempos, como se diz — a presidente acha que não —, mas é uma confusão poucas vezes vista, em termos de paradoxos e subversão de valores, papéis e sinais. O Brasil nunca foi um país para principiantes, já ensinava Tom Jobim, mas há momentos em que não é nem para catedráticos, como em 1963/64, por exemplo, que deu no que deu. A História não se repete, tudo bem, mas há agora algo parecido — de radicalismo, intolerância, agressividade e ódio. Espera-se que o desfecho não seja igual, embora a discordância seja tanta que nem os próximos se entendem mais, como Dilma e Lula. E o que dizer do PMDB, o maior partido de apoio à presidente, que é o que lhe causa mais embaraços? Quem a acusou de querer atrair “sócio para a lama” não foi um oposicionista grosseiro, mas o próprio presidente da Câmara, hóspede da “lista de Janot” (saudade dos tempos em que lista de dinheiro sujo era só a dos bicheiros). No seu depoimento na CPI da Petrobras, ele foi homenageado por vários colegas, inclusive do PT e PSDB. Coube a Clarissa Garotinho o espanto: “O que vi aqui foi uma reunião de felicitações. E achei que estava numa CPI”. De fato, o acusado parecia ser o procurador da República.
Em compensação, a melhor defesa do PT não foi feita por um petista, mas pelo ex-ministro de FH Bresser-Pereira. Recorrendo à velha luta de classes, o tucano atribuiu a onda de protestos a “um ódio coletivo dos ricos contra um partido e uma presidente”. O melhor símbolo, porém, da inversão de papéis talvez seja mesmo Paulo Maluf, que em 2000 Lula queria ver “atrás das grades” e em 2013 foi procurado em sua mansão pelo próprio Lula, em busca de apoio para Haddad. Criticado por este gesto, o ex-presidente declarou em comício: “Dizem que o companheiro Maluf é ladrão, mas isso é uma demonstração de ‘cleptomaníacofobia’ inaceitável nos dias de hoje”. Procurado pela Interpol por desvio de dinheiro, o deputado do PP, o partido com mais figurantes na tal lista, 31, manifestou-se indignado com a corrupção. “Estou com Janot: se alguém deve, tem de pagar. Em 48 anos de vida pública, sempre fui correto”. Que tal?
De que maneira essa confusão política, misturada com o escândalo do petrolão e com os sérios problemas econômicos, tudo isso agravado pela insatisfação geral, vai chegar às ruas amanhã? O comportamento das manifestações será um teste decisivo para a democracia. Tomara que seja um protesto legítimo, não o ensaio de uma arriscada derrubada da presidente Dilma.
Derruba, e depois? A alternativa é pior.
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