Angela Bittencourt – Valor Econômico
SÃO PAULO - Passados quase seis meses do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, é evidente a mudança em relação à política econômica - duramente criticada pelos agentes do mercado financeiro - conduzida no primeiro mandato. No entanto, como pode ser também visto nos preços e nos indicadores disponíveis, a confiança desses mesmos agentes e do setor produtivo não deu passos significativos. A pergunta que resta em meio ao cenário de crise econômica, desgaste político e desânimo com o país é: o que faltou?
O ícone e grande fiador da guinada no segundo mandato, o ministro Joaquim Levy, é, como apontou o economista Edmar Bacha, a opção "mais ortodoxa" que a presidente poderia ter feito. Uma mudança radical em relação à equipe econômica anterior. Todavia, os sinais de cansaço do ministro começam a ficar nítidos diante da dificuldade em avançar na tarefa de recuperar a confiança e melhorar as expectativas. Para os observadores, o episódio da ausência de Levy no anúncio do contingenciamento foi o auge desse processo.
No mercado, os números traduzem o cenário. A pressão exercida por gestoras e tesourarias bancárias no mercado de juros pode levar a taxa básica a 14%, 14,25%, 14,75% ou até a 15% ao ano em dezembro deste ano. Se, a partir daí, o Banco Central (BC) vai manter o juro inalterado até o primeiro trimestre de 2016, ou iniciará, antes de março do próximo ano, um processo de alívio monetário, não dá para garantir. Se a determinação do BC levará a inflação para o centro da meta em dezembro de 2016, ou se o IPCA estará mais para 5,5% (expectativa atual do mercado), também não dá para garantir. E a conclusão é a mesma a respeito do saldo líquido do ajuste fiscal - o proposto não foi o desejado e o obtido não será o proposto.
O mercado financeiro caça respostas para essas questões o tempo todo. Ou caçava, porque, nas últimas semanas, o interesse de especialistas diminuiu. Um desalento quanto à perspectiva de recuperação da economia brasileira distorce preços de ativos em negócios mais especulativos.
Em parte, o desânimo é fruto da batelada de denúncias que encontraram terreno fértil no escândalo da Petrobras, sem que se identifique no horizonte um ponto final para as apurações. A operação Lava-Jato afetou direta e indiretamente outros setores da economia, além do petróleo. Arrebatou cerca de um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Quem, por ingenuidade, boa fé ou desinformação, duvidava que o governo tivesse tamanha presença em setores-chave para a atividade econômica - ou nos interesses por ela movidos - não duvida mais.
As perspectivas para o Brasil mudaram de tom, tornando-se menos benevolentes, ao menos no mercado doméstico, com a inquietação despertada por Levy, ao não demonstrar qualquer satisfação com a velocidade em que coloca o ajuste fiscal na rua. Em menos de duas semanas, o ministro, assim como a presidente Dilma, completa o primeiro semestre do atual mandato e nada sugere que as dificuldades sejam menores que as encontradas quando da chegada à Esplanada dos Ministérios.
Na tentativa de mapear quais são as razões que não levam o mercado a dar mais crédito ao ministro Levy, o blog "Casa das Caldeiras", do Valor, entrevistou sete economistas. Três pediram para manter o anonimato.
Os entrevistados foram unânimes em reconhecer a competência do ministro da Fazenda que, segundo afirmação de um dos entrevistados, "não prometeu mundos e fundos quando indicado ao posto e tampouco ao ser empossado no cargo". Mostrou, sim, disposição para reordenar a economia em bases "mais atraentes ao mercado".
"Desde o início, ficou claro que o objetivo de Levy era preparar a economia para um novo e próspero ciclo de crescimento", diz um interlocutor. "As escolhas de Levy", sobretudo na área fiscal, onde "impostos e contribuições vêm de jato e cortes de despesas a cavalo", animaram de início, mas resultam em lamúrias.
O mercado considera correta a 'nova' política econômica, mas reclama dos efeitos colaterais: aumento de tributação, queda na atividade, crise aguda na indústria e baixa produtividade. Juro alto e câmbio instável são criticados a qualquer tempo pelo mercado que, adepto do auto-engano e da torcida, pensou que Levy tinha adquirido experiência política por ter sido secretário de Fazenda do Rio ou seria convertido em político profissional - capaz de driblar o Congresso no campo adversário -, em função de tantas idas e vindas para negociar as medidas fiscais com líderes partidários. O mercado errou.
Nas últimas semanas, ficou evidente que nem mesmo qualidades explícitas do ministro da Fazenda - excelente orador, hábil negociador e técnico de vasto conhecimento da máquina pública - conseguiram tornar a proposta de ajuste fiscal mais amigável para o governo. Um dos economistas entrevistados insiste que o governo não gostaria do ajuste, ainda que o promotor não fosse Levy e explica: "Medidas restritivas doem e não tiram o país da sinuca em que está, dadas as circunstâncias". Essa fonte avalia que promover ajuste fiscal em época de recessão é enxugar gelo. E tentar negociar medidas com políticos, que também são especialistas em temas econômicos, é uma árdua batalha.
Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, não credita a falta de entusiasmo da economia real a Levy e seu ajuste fiscal. Para ela, o problema é o contexto em que o ajuste se dá. "Hoje, há uma incerteza enorme derivada do fato de termos um governo fraco, sem base parlamentar e com uma presidente sem apoio do seu próprio partido. Nesse ambiente, não é possível realizar as reformas que precisamos para resolver o problema do crescimento, e ainda estamos sujeitos às contrarreformas. Não há como restaurar a confiança na economia com esse entorno político. Levy está conseguindo evitar que o caos se instaure. Sem o ajuste fiscal que ele tem tentado implementar, o Brasil estaria com uma recessão ainda maior, câmbio mais depreciado e inflação mais alta ainda."
Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, atribui parte do desalento do mercado à percepção - "que precisa mudar" - de que a conta [de políticas equivocadas] é paga pelo setor privado, pelos orçamentos familiares via aumento da carga tributária e não pelo governo. "A percepção é de que o governo não arca com suas responsabilidades", diz.
Para Velho, não houve e não há surpresa com Levy, porque estava claro que Dilma optaria por um ministro ortodoxo. Previsível também era, na opinião do gestor, que a reversão da política econômica anterior não fosse bem aceita pela maioria dos integrantes do governo. "Corrigir o rumo da economia implicava aumento do superávit primário, redução das isenções tributárias representada pela reversão da política fiscal anticíclica e ajuste dos preços relativos."
Essas condições impediram que o mercado apostasse, em peso, no apoio do Planalto ao ministro da Fazenda, conta Velho. A percepção de que o setor privado duvidava da sustentabilidade da 'opção Levy' de política econômica era evidente no primeiro trimestre. E essa foi a primeira inquietação a turvar o horizonte do mercado, conta o economista.
"Não seria a única. Logo surgiram avaliações a respeito da dificuldade em implementar o ajuste fiscal. As propostas fiscais haviam sido alteradas e as perspectivas de receita já eram menores. Circularam rumores de que Levy deixaria o cargo", afirma Velho e, na sequência, a ausência do ministro da Fazenda no anúncio do contingenciamento reforçou os boatos de que Levy poderia desembarcar do governo. Não desembarcou.
Na quarta-feira, Levy não se desviou da agenda de ministro. Reuniu-se com parlamentares e continuou defendendo que a lei que reduz a desoneração da folha de pagamentos - uma das mais importantes para o ajuste fiscal - seja sancionada até o fim do mês.
Apesar do apelo, também não dá para garantir que a "desoneração" seja votada antes do recesso parlamentar. Portador da paciência e da experiência de quem já assistiu a inúmeras correções de rota da economia brasileira, José Francisco de Lima Gonçalves, do Banco Fator e professor da FEA-USP, diz que a percepção de risco vai melhorar devagar. E acrescenta: "Isto é, pode ir melhorando, se tudo der certo. E dar certo significa o governo tomar decisões ponderadas e com apoio equilibrado no Congresso, na sociedade civil, no partido e na base parlamentar; o país sofrer uma recessão rápida em um contexto de queda, também rápida, de juros aqui; de juros em alta no exterior; e limitação dos efeitos econômicos da Operação Lava-Jato".
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