- O Globo
• Transferência de renda a donos de ‘grandes fortunas’ confere privilégios a produtores de bens de capital
O PT quer elevar a carga tributária. Acalenta a restauração da velha e primitiva Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta pelo Congresso em 2007. E defende que os detentores de “grandes fortunas” sejam submetidos a tratamento fiscal mais severo.
A volta da CPMF é uma fixação de Lula. O ex-presidente jamais se conformou com a derrota que sofreu no Senado, no seu segundo mandato, quando tentou prorrogar por mais alguns anos a cobrança da contribuição provisória. Sempre que pode, se queixa amargamente de ter sido privado de receita tão farta e fácil como a que provinha da CPMF.
Já o tratamento fiscal mais severo a “grandes fortunas” tem sido tratado no PT mais como uma bandeira, que ajuda a mobilizar a militância, do que como questão que já mereça proposta detalhada, respaldada pelo partido. A cúpula do PT parece nutrir certo desalento com a possibilidade de que a questão encontre a ressonância requerida no Congresso.
Por realista que seja, tal desalento não deveria impedir que o PT exerça pressão sobre o governo para assegurar, por outras vias, tratamento mais severo a detentores de “grandes fortunas”. Se quiser de fato levar a sério tal objetivo, o governo dispõe de amplo leque de iniciativas possíveis, fáceis de implementar. Duas delas merecem destaque.
O governo poderia começar por desmantelar a grotesca concessão de subsídios bilionários a detentores de “grandes fortunas” que, há anos, vem sendo alegremente patrocinada pelo BNDES, com recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública. Os desdobramentos desse despropósito vêm se tornando a cada dia mais nítidos. E o próprio governo já não consegue disfarçar o seu desconforto.
Outra lamentável política de farta transferência de renda a detentores de “grandes fortunas” é a que vem conferindo privilégios injustificáveis a produtores nacionais de bens de capital, ao exigir percentuais absurdamente altos de conteúdo local em equipamentos utilizados na exploração do pré-sal. Por encarecer de forma indefensável os custos dos investimentos requeridos no pré-sal, tal política implicará redução substancial da parcela do excedente da exploração que, afinal, estará disponível para financiamento da educação e da saúde no país.
Não bastasse tudo isso, a política de conteúdo local vem engrossando o caldo de cultura em que prolifera a corrupção. É só ler os jornais. Caso emblemático foi reportado pelo “Estadão”, em 5 de junho. O dono de uma grande empreiteira reconheceu ter pago US$ 120 milhões de propina para obtenção de um contrato de US$ 3,4 bilhões, para construção de cascos de plataformas em estaleiro gaúcho, adquirido pela empresa com oportuno financiamento de um fundo de pensão de funcionários de uma instituição financeira federal. Um circo de horrores.
Tanto no caso do BNDES como no da política de conteúdo local, os grandes agraciados tentam agora brandir os empregos que teriam sido criados graças às generosas benesses que receberam. É preciso lançar luz sobre as duas políticas e fazer as contas cabíveis, na linha do que alguns analistas já vêm fazendo. Tendo em vista a magnitude da geração de emprego associável a tais políticas, será difícil justificar custos sociais tão altos e redistribuição tão perversa de renda patrocinada pelo próprio governo. Há formas bem mais baratas e menos iníquas de gerar empregos.
Já é hora de o PT reconhecer um fato que salta aos olhos. Se, de um lado, os governos petistas levaram adiante programas inegavelmente exitosos de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, de outro, se permitiram adotar, com apoio entusiástico do partido, políticas escancaradamente concentradoras, que implicaram transferências colossais de renda e riqueza a detentores de “grandes fortunas”. Enquanto tentavam minorar a concentração de renda com a mão esquerda, a agravavam com a direita.
É preciso, agora, sustar com urgência a concentração de renda e riqueza que vem sendo imposta pela mão direita do PT.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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