- O Globo
A ligação direta entre as contas irregulares do governo em 2014 e as eleições presidenciais é o fator político que pode desencadear processo de impeachment contra Dilma. O nexo de causalidade está na programação financeira e no contingenciamento, previstos nos artigos 8 ºe 9 º da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois tratam de competência privativa da presidente.
Os decretos de abertura de crédito, assinados pela presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária. O artigo 15 da LRF diz tratarse de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal.
Nesse ponto, o relatório do ministro Nardes e o parecer do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público de Contas, encontram- se com a ação penal que a oposição impetrou junto ao MP. No art. 10, alínea 4, da LRF, está: Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
No art. 11, alínea 3, explicita- se: são crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3) Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
A oposição recorreu a Janot pedindo ação penal contra Dilma com base nos art. 299 e 359, alíneas “a”e “c” e “d”, do Código Penal, em que se definem crimes: Art. 299: Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Art. 359 c: Ordenar ou autorizar assunção de obrigação, nos 2 últimos quadrimestres do último ano do mandato, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício ou, caso reste parcela a ser paga no seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. Art. 359 d: Ordenar despesa não autorizada por lei.
Importante ressaltar, dizem os auditores do TCU, que as “pedaladas” foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo padrão de 2013, fica clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, as que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como investimentos, pois isso dá voto.
Importante ressaltar que a LRF não é lei eleitoral. Mas, como as contas públicas são essenciais para políticas, a LRF traz regras duras e específicas para fim de mandato, para que aquele que tem a chave do cofre nas mãos não a use para desequilibrar o pleito, gastando o que tem e o que não tem para se reeleger, ou, se não se reeleger, deixar dívida astronômica e insustentável para o sucessor.
Para evitar isso, a LRF tem regras que impedem contratação de pessoal nos últimos 180 dias do mandato ( art. 21), impedem assunção de obrigação financeira de abril a dezembro do último ano de mandato sem deixar disponibilidade de caixa para pagar os restos a pagar ( art. 42), e tem regras mais rígidas para coibir operação de crédito por antecipação de receita no último ano de mandato ( art. 38), instrumento este usado antes da LRF para alavancagem eleitoral. E voltou a ser usado agora.
Para completar as medidas para garantir o equilíbrio fiscal, desafio em ano eleitoral, a LRF proibiu, definitivamente, uso de bancos para custear os governos ( art. 36 - as tais “pedaladas”), comum nos anos 80 e 90. Está na História a famosa frase de Quércia, que, ao eleger Fleury em 90, desabafou: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”.
A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas, Lucieni Pereira, atesta: “O triste é assistir à União incorrendo, 15 anos após, nas práticas que a levaram a promover o maior ajuste fiscal da História e criar as condições para editar a LRF em 2000. Muito triste, caro à sociedade. Fiscalizo o cumprimento da LRF há 15 anos, de 20002004 no TCE- RJ, de 2004 até hoje no TCU, e nunca vi a União chegar a situação fiscal como a do ano passado. É, sem dúvida, a primeira vez na História da LRF”.
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