Quem não deve não teme, diz a sabedoria popular. Lula deve um bocado, a julgar por sua violenta reação à iniciativa da CPI do petrolão de convocar Paulo Okamotto, presidente do instituto que leva seu nome, para explicar as doações de R$ 3 milhões que a entidade recebeu, entre 2011 e 2013, da construtora Camargo Correa, uma das empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. Os deputados querem saber também detalhes sobre o repasse de R$ 1,5 milhão feito pela construtora à empresa de Lula, L.I.L.S. Palestras, Eventos e Publicidade, em 2011, 2012 e 2013.
Há dias, Lula cobrou enfaticamente da bancada do PT na Câmara dos Deputados a imperdoável negligência de ter deixado a CPI da Petrobrás aprovar, num pacote de 140 requerimentos, aquele que pedia a convocação de Okamotto.
“Vocês não podem deixar o PT levar essa bola nas costas”, reclamou Lula aos participantes do 5.º Congresso do partido, no segundo dia do encontro realizado em Salvador. Para ele, esse vacilo é “inadmissível”. E seu protesto estendeu-se ao “aliado” PMDB, por meio de um telefonema indignado ao vice-presidente Michel Temer.
Por meio de nota oficial, o Instituto Lula já havia confirmado o recebimento de dinheiro da Camargo Correa, explicando tratar-se de pagamentos de palestras ministradas pelo ex-presidente. Esclareceu também que os R$ 3 milhões são doações destinadas à manutenção das atividades do instituto, feitas legalmente e declaradas pela empreiteira em conformidade com a lei. Então, se não há nada de errado nessa história, por que Lula reagiu com tanta ênfase à ideia de Okamotto ser convocado para prestar esclarecimentos na CPI?
A primeira e óbvia explicação é a de que, mais do que revelar irregularidades nesse caso, Lula teme que o precedente venha a levantar uma ponta do véu de invulnerabilidade que o tem protegido, desde o mensalão, de qualquer respingo dos escândalos da corrupção que já levaram ao cárcere vários figurões do PT. E não se trata apenas do temor de se descobrir, de uma hora para outra, diante da compulsória necessidade de responder por seus atos. Inebriado pela excepcional condição de retirante que se transformou no maior líder popular da política brasileira, Lula habituou-se a se colocar acima do bem e do mal. Para ele é natural comportar-se como se fosse uma quase divindade a quem tudo é permitido. Levantar quaisquer suspeitas sobre seu instituto, portanto, constitui grave ofensa, um inadmissível crime de lesa-majestade.
Jogando sobre os quadros do partido todo o peso de uma autoridade que, pelo menos dentro do PT – mas não mais em todas as alas do partido –, ainda é incontrastável, Lula desencadeou a reação à ameaça de levar “uma bola das costas”. A bancada do PT anunciou que entrará com recurso à Mesa da Câmara contra o que considera irregularidades praticadas na CPI da Petrobrás que resultaram na convocação de Okamotto. “Minha observação política”, declarou a deputada Maria do Rosario (PT-RS), “é que foi feita uma manobra da pior espécie para envolver o senhor Paulo Okamotto”. De fato, é uma observação cuidadosamente “política”, já que a deputada sabe muito bem que o envolvimento que os petistas querem evitar é o de Lula e não o de seu principal tarefeiro.
Para não perder o hábito, o PT cogita também aplicar o princípio da isonomia às avessas, segundo o qual todos são iguais não perante a lei, mas perante o crime: querem que a CPI convoque para interrogatório algum representante do Instituto FHC, sob a alegação de que também os tucanos receberam doações de empreiteiras.
Provavelmente devido ao inferno astral que anda vivendo, Lula acaba de perder boa oportunidade de mostrar que não tem nada a temer porque nada deve. Bastava ter aberto as portas e as contas de seu instituto a qualquer investigação.
Ao contrário, preferiu bancar o valentão. E não porque tenha cedido impulsivamente à megalomania que o assombra. Seu gesto foi frio e racional, típico de quem quer conjurar os perigos de um processo que percebe como começa, mas não sabe como pode terminar.
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