segunda-feira, 22 de junho de 2015

Samuel Pessôa - Ainda não caiu a ficha

• Não caiu a ficha de que estamos diante de uma dívida que é explosiva se não fizermos muita coisa

- Folha de S. Paulo

Na semana passada, o Ibre/FGV apresentou a revisão do cenário para 2015 e 2016. Para o superavit primário, nossos números foram de 0,6% do PIB em 2015 e de 1,5% em 2016. Essas projeções são bem piores do que as metas estabelecidas pelo ministro Levy no fim de novembro do ano passado, quando teve seu nome anunciado para o cargo: de 1,2% do PIB em 2015 e 2,0% em 2016.

Noticiou-se na semana passada que muito provavelmente o Congresso Nacional, com a anuência da Fazenda, irá revisar para menor a meta de superavit primário, para números iguais aos do Ibre.

O argumento é que a recessão está pior do que se imaginava à época em que a meta foi fixada, e, portanto, a receita está pior. Adicionalmente, soubemos no início do ano que 2014 fora pior do que o imaginado. Em vez de um primário zerado, houve um deficit de 0,6% do PIB.

A recessão e o passado justifi- cam a revisão. O argumento faz todo o sentido.

Em que pese a revisão da meta, ainda não caiu a ficha para o governo, para os políticos e para a sociedade de maneira mais geral de que estamos diante de uma dinâmica da dívida que é explosiva a médio prazo se não fizermos muita coisa.

Muita coisa significa muito mais imposto, ou nova rodada de desvinculação de receita da União, ou fortíssima revisão dos critérios de elegibilidade e valores de benefício de inúmeros programas sociais, de sorte a estabilizar a taxa de crescimento do gasto público em nível igual ao crescimento da economia. Provavelmente precisaremos de tudo isso.

O leitor pode confrontar minha visão pessimista quanto ao desempenho fiscal nos próximos anos com o ótimo desempenho que tivemos nos 12 anos de 1999 até 2010, quando geramos seguidos superavit primários, obtidos majoritariamente com receita recorrente, de 3% do PIB.

Ocorre que aqueles foram anos que não retornarão. Nessa janela de 12 anos, a taxa de crescimento da receita foi sistematicamente maior que a taxa de crescimento do produto.

Dois processos permitiram dinâmica tão favorável da gestão fiscal. O primeiro foi o continuado processo de formalização da economia. O segundo, nesses 12 anos a inflação do PIB correu em média 1,8 ponto percentual além da inflação do consumidor. Dado que a inflação da atividade econômica indexa a receita e a inflação do consumidor indexa inúmeras rubricas do gasto público, o setor público brasileiro nestes 12 anos foi uma "empresa" cujo preço do produto que vende cresceu 1,8 ponto de percentagem além do indexador dos custos!

A dinâmica fiscal desde 2011 está muito mais difícil do que nos 12 anos anteriores.

Em 2014, o deficit primário do setor público consolidado foi de 0,6% do PIB. Se considerarmos somente receitas recorrentes, o deficit primário foi de 1,5% do PIB.

Para que consigamos estabilizar o crescimento da dívida pública, é necessário que construamos um superavit primário de 2,5% do PIB. Ou seja, nosso buraco fiscal era em dezembro de 2014 da ordem de quatro pontos percentuais do PIB. No entanto, devido às regras de elegibilidade dos diversos programas sociais e aos mecanismos de elevação dos muitos benefícios, os gastos sociais da União têm crescido ao ritmo de 0,35 ponto percentual do PIB por ano. Tem sido assim, pelo menos, nos últimos 23 anos.

Se nada muito duro for feito, o buraco até 2018 crescerá mais 1,4 ponto percentual do PIB (basta multiplicar 0,35 por 4). Ou seja, o buraco de 3,5% do PIB que tínhamos em 2014 subirá para algo próximo de 5,5% do PIB. Crise fiscal à frente.

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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

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