- Valor Econômico
• Dilma assegura que não corre risco de "ter um Fiat Elba"
Autoridades do governo federal e líderes do PT aguardam com apreensão a chegada de agosto. Embora sustentem que juridicamente não há fundamentos para um impeachment, reconhecem a delicada situação em que a presidente Dilma Rousseff se encontra. E monitoram com atenção o risco de algum evento deflagrar um movimento de massas capaz de levar as forças políticas a darem andamento a um processo de impedimento da presidente da República.
Há razões para a preocupação com o irromper de um rastilho. A popularidade de Dilma mantém-se em níveis baixíssimos, em meio a um quadro recessivo da economia e à deterioração do mercado de trabalho. Além da imprevisibilidade dos desdobramentos políticos da Operação Lava-Jato, que já não se limita mais à Petrobras e avança sobre o setor elétrico, os articuladores governistas não sabem com que humor deputados e senadores aliados retornarão a Brasília após o recesso branco do Congresso. Depois de aproximadamente duas semanas em suas bases, os parlamentares podem concluir que a probabilidade de sucesso nas próximas eleições será diretamente proporcional à distância que mantiverem de um governo federal mal avaliado.
A manifestação agendada para o dia 16 de agosto é vista por alas do governo como mais um desafio a ser enfrentado a curto prazo, assim como a possibilidade de a presidente ser alvo de um novo panelaço durante a transmissão da propaganda do PT em rede nacional de rádio e televisão no dia 6. Um revés na apreciação das contas de 2014 de sua administração também, mas o que tem chamado grande atenção no Planalto é a movimentação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
No dia 17, Cunha rompeu com o governo sob o argumento de que o Executivo pressionara um dos delatores da Lava-Jato a incluir seu nome entre os beneficiários das irregularidades investigadas - acusações que o pemedebista rechaça. Horas depois, o deputado assinou uma série de despachos dando o prazo de dez dias para que os autores dos 12 pedidos de impeachment protocolados na Secretaria-Geral da Mesa da Câmara corrigissem os seus requerimentos.
Na história recente, determinados a evitar sucessivas crises institucionais no país, os últimos presidentes da Câmara rejeitaram diversos pedidos de impeachment. Ou os deixavam encostados numa gaveta, caso preferissem manter fresca no Executivo a lembrança dos poderes detidos pela Casa.
Cunha, porém, inovou. Alguns não estavam formatados corretamente, outros não estavam acompanhados dos documentos necessários ou careciam de firma reconhecida. Para articuladores políticos do Executivo e especialistas do processo legislativo, o recado foi claro: sua intenção é evitar que os requerimentos possam ser questionados do ponto de vista formal, o que abriria um flanco para Dilma ir de pronto à Justiça.
O problema da presidente é que o regimento interno da Câmara dos Deputados pode dar pouca margem de manobra para o governo abater no nascedouro a iniciativa, caso Cunha decida mesmo trilhar esse rumo. E o deputado domina como poucos as regras do jogo travado no Parlamento.
No trecho em que trata do processo por crime de responsabilidade contra o presidente da República, o vice-presidente ou os ministros de Estado, o regimento da Câmara não prevê recurso, caso o presidente da Casa acolha a denúncia. Os autores dos requerimentos têm direito a recorrer ao plenário, se não forem atendidos. No entanto, o regimento estabelece que, "recebida a denúncia pelo presidente" e verificada a existência dos requisitos formais, o requerimento deve ser lido na sessão seguinte e despachado diretamente a uma comissão especial que será integrada, de forma proporcional, por todos os partidos. Ou seja, neste caso, o PT e outros partidos que ainda se mantiverem leais a Dilma tendem a não ter instrumentos para reverter de imediato a decisão de Eduardo Cunha.
Em um cenário extremo traçado por quem acompanha de perto o assunto, esse fato poderia transformar-se no gatilho que assombra o governo, levando às ruas quem até agora limitou-se a bater panelas em casa. A crise poderia acabar atropelando a discussão do mérito e da fundamentação técnica do pedido de impeachment no Congresso, colocando a presidente numa situação política insustentável.
Dos pedidos de impeachment já protocolados na Câmara e que voltaram às mãos de seus autores, alguns buscam responsabilizar Dilma pelas irregularidades investigadas na Petrobras. Há também os que acusam a presidente de má gestão e podem ganhar corpo se o Tribunal de Contas da União recomendar ao Congresso a rejeição das contas do Executivo de 2014 devido às chamadas "pedaladas fiscais". O julgamento do TCU também é previsto para ocorrer no mês que vem.
Entre os fatos históricos negativos ocorridos em agosto lembrados nas últimas semanas em Brasília estão as mortes de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Anos depois, em agosto de 1992, o então presidente Fernando Collor de Mello convocou a população a sair às ruas com as cores da bandeira. Seu objetivo era provar que apenas uma minoria era favorável ao seu impedimento, mas o resultado foi o oposto. Uma multidão vestiu-se de preto, evidenciando o equívoco tático que catalisou o processo de impeachment do hoje senador.
Mas Collor já vinha cometendo um erro estratégico, ao acreditar que poderia governar sem apoio no Congresso. Dilma foi alertada muitas vezes de que a sua indisposição a conduzir a articulação política do governo poderia lhe causar problemas. Uma diferença, porém, é reconhecida até mesmo por adversários da petista: por enquanto não há sinal de que alguma denúncia possa envolver diretamente a pessoa da presidente da República. Não à toa ela tem assegurado a interlocutores que nunca aparecerá "o Fiat Elba", o carro de Collor comprado de forma suspeita e cuja descoberta acabou provocando o afastamento do ex-presidente.
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