O longo prazo chegou. Na semana passada, os dois principais titulares da equipe econômica, Joaquim Levy, ministro da Fazenda, e Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, anunciaram uma redução da meta fiscal deste ano para um superávit de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) e reduziram também os objetivos de superávit para 2016 e 2017. Ontem, em debate na sede do Valor, quatro economistas do comitê de acompanhamento macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), desenharam aquele dia como um divisor de águas. Na avaliação mais ou menos consensual de Luiz Fernando Figueiredo (sócio-diretor da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central), Carlos Kawall (economista-chefe do banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional), Fernando Honorato Barbosa (economista-chefe da Bradesco Asset Management) e Marcelo Carvalho (economista-chefe do BNP Paribas e coordenador do comitê macro da Anbima), a equipe econômica do governo não jogou a toalha, mas mudou de estratégia.
A estratégia passa por uma dose bem maior de realismo. A reprogramação fiscal de 2015 surpreendeu pela magnitude, enquanto a extensão de um ajuste fiscal mais brando para 2016 e 2017 não estava no script. O anúncio dessas medidas provocou uma imediata revisão para baixo das projeções do PIB de 2015 e de 2016 e fez quase todo mercado financeiro esperar uma nova alta de 0,50 ponto básico na taxa Selic, deixando em minoria quem espera 0,25 ponto de alta. Na Anbima, entre o início de junho e a semana passada, as projeções para o PIB de 2015 passaram de -1,3% para -1,9%.
Para esse grupo de economistas, na quarta-feira passada a equipe econômica trocou um cenário no qual ainda seria possível o Banco Central reduzir o ritmo do aperto monetário e no qual o PIB podia ser positivo em 2016 por um cenário de dois anos de recessão com contração mais profunda. "Eles tinham a opção de fazer [o ajuste] com mais impostos, mas decidiram não fazê-lo. Eles resolveram escancarar o problema", resumiu o economista-chefe da Bram. Para Kawall, do Safra, o "problema" é a rigidez do gasto público. Sem que o governo crie nenhuma nova despesa, a cada ano o gasto obrigatório aumenta 0,5 ponto percentual do PIB.
Levy e Barbosa deixaram claro que os gastos públicos não cabem mais no PIB. Na própria quarta-feira, o ministro da Fazenda já indicou que um ajuste fiscal mais expressivo dependia da aprovação de medidas no Legislativo. Desde então, ele reforçou essa mensagem, deixando mais explícita a avaliação de que o Congresso reflete escolhas da sociedade.
Diversas medidas aprovadas na Câmara dos Deputados e referendadas no Senado Federal foram na direção contrária ao do ajuste, pois elevavam estruturalmente os gastos do setor público. Duas dessas medidas (fator previdenciário e aumento dos servidores do Judiciário) foram vetadas pela presidente Dilma Rousseff, mas os vetos ainda podem ser derrubados. Não fazê-lo na volta do recesso parlamentar é um bom passo no sentido correto do equilíbrio das contas públicas.
Mas é pouco. O momento em que o crescimento do país ficaria inviabilizado pela falta de reformas e pelo excesso de gasto público chegou. Ele não faz mais parte de um futuro distante. Nesse sentido, estão certos os ministros da Fazenda e do Planejamento em chamar a sociedade para esse debate e ao deixar claro que a escolha não é só do governo. O que falta, contudo, é o governo ter a coragem de liderar esse debate e propor ajustes que passam por rever benefícios por ele concedidos no passado bem recente. Também falta maior responsabilidade fiscal no Legislativo.
O problema é que o futuro corre rápido. Ontem, a Standard & Poor's marcou como negativa a perspectiva para os ratings da dívida em moeda estrangeira do Brasil. Ao explicar a decisão, a agência alertou para a complexidade da crise. "Revisamos nossa perspectiva sobre os ratings [...] para refletir o que acreditamos que seja uma probabilidade maior que um em três de que a correção da política venha a enfrentar desvios adicionais considerando a dinâmica política e que o retorno a uma trajetória de crescimento mais firme vai levar mais tempo do que esperávamos", apontou, na nota.
Igual alerta tem sido feito internamente por economistas e lideranças menos insensatas, e foi repetido no debate da Anbima. O momento, porém, pede mais que alertas, ou a ausência de reformas estruturais inviabilizará o ajuste.
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