Por Cristian Klein – Valor Econômico
RIO - A terceira onda de manifestações contra o governo federal, no domingo, mostrou que a oposição "tem muita gente contra o PT para pôr na rua" e que a possibilidade de impeachment existe, mas o protesto ainda não é suficiente para derrubar a presidente Dilma Rousseff, cujo destino, por enquanto, é o de repetir o governo de José Sarney (1985-1990), depois do fracasso do Plano Cruzado. Quem afirma é o cientista político Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). "Sarney também sobreviveu sem apoio popular e com um Congresso complicado. Dilma não precisa de uma máquina totalmente azeitada. Dá para viver. Vai aos trancos e barrancos", diz.
Para Limongi, desde a redemocratização, presidentes tiveram vários momentos de "descarrilhamento" de sua base. Cita o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, cuja popularidade caiu muito, como a de Dilma. "E estabilizou lá embaixo. Não teve céu de brigadeiro, mas ele foi [até o fim]".
No entanto, uma das marcas importantes da atual crise política é seu grau de imprevisibilidade. "Até hoje, por exemplo com Collor e nos anões do Orçamento, as investigações estavam sob o controle de CPIs, ou seja, do sistema político, que delimitava até onde eles iriam chutar o pau da barraca contra eles mesmos. No mensalão, o resultado esteve menos na mão deles, e agora menos ainda", diz, numa referência às investigações da Operação Lava-Jato e de decisões do juiz federal Sérgio Moro, transformado em herói nacional nos protestos.
Se Dilma pode emular o governo Sarney, por outro lado, a pressão que recebe para sair do poder é diferente da que ocorreu com Fernando Collor, em 1992. "Com Collor, houve primeiro um sinal verde do Congresso à população. Agora está invertido. A rua veio antes", compara o cientista político.
Limongi diz que para que a bandeira maior das manifestações - o impeachment - prospere é preciso primeiro que haja algum elemento concreto que justifique o processo de afastamento e, em segundo lugar, a convicção da oposição de que vai se beneficiar da saída. "Eles [líderes das oposição] se perguntam: "O que a gente ganha com isso?". Com Collor, havia denúncias que o atingiam diretamente e uma coligação de centro-esquerda, com PT e PMDB, um grande acordão que levou ao impeachment. Agora não", diz, ao lembrar as divisões e o pouco interesse do PSDB em assumir o país em situação economicamente tão frágil. Os tucanos não querem voltar ao poder para promover uma política de restrição, de ajuste fiscal, necessária pelos próximos anos, e preferem que os custos sejam pagos pelo PT, destaca Limongi.
O efeito disso - de não engrossar prontamente a voz das ruas - é que a oposição não soube capitalizá-la, argumenta o cientista político, ao ressaltar que o senador mineiro e presidente do PSDB, Aécio Neves, pegou o movimento no final - e depois de receber críticas pesadas de líderes dos protestos, como os do Movimento Brasil Livre. Em Belo Horizonte, Aécio participou pela primeira vez dos protestos e discursou. "Mas tem um descompasso", afirma o pesquisador.
Limongi não vê o descontentamento anti-PT desaguar necessariamente na oposição tradicional, liderada pelos tucanos. Há ainda Marina Silva ou outro nome que possa surgir no cenário. "O PT vai ter dificuldade imensa [na eleição de 2018]. Se tiver que apostar, diria que vão perder. Mas vão perder para quem? Não está claro", diz.
Para o cientista político, as sucessivas manifestações de rua e a desarticulação da base aliada no Congresso mostram que a reeleição de Dilma se converteu numa "vitória de Pirro" para o PT. Com um governo desgastado por quatro longos anos - período maior até do que o de Sarney - seria muito difícil o partido recuperar sua imagem. "O PT queimou um capital político difícil de se construir. Hoje, tem governo e base [social] mas está perdendo os dois", diz, lembrando que o percentual de simpatizantes da sigla, que oscilava entre 20% e 30%, está em 5%, e já é menor que a do PSDB.
A não ser que o governo se recupere, a derrocada eleitoral da legenda, prevê Limongi, deve levar ao fim do padrão de competição polarizado com o PSDB, e desaguar numa eleição mais aberta em 2018, semelhante à de 1989, com chance de surgimento de uma novidade política, como foi Collor.
Essa possibilidade é um risco que ameaça os planos do PSDB. Mas, além de não verem vantagem em assumir o país no meio de uma recessão econômica - por meio da cassação de Dilma e da realização de eleição suplementar - os tucanos precisam lidar com outros cálculos importantes, pontua. Derrubar o PT a qualquer preço, agora, pode parecer um golpe palaciano e ter consequências no jogo democrático, ao baixar o nível do sarrafo ou da tolerância ao adversário. No longo prazo, pode resultar em instabilidade institucional movida à não aceitação dos resultados das urnas. O PT, mais à frente, pode dar o troco e querer fazer o mesmo. "Porque [a oposição] está forçando a barra. No limite, a tese da pedalada [fiscal] é bem frágil. Não tínhamos visto a votação das contas de governo de ninguém e agora votaram as de Itamar, FHC e Lula, para apreciar a da Dilma. Ninguém pedalou tão forte quanto ela, é verdade, mas todo mundo pedalou antes", afirma.
No entanto, a tese da pedalada esmoreceu, destaca Limongi, na semana passada, quando o Tribunal de Contas da União decidiu dar mais tempo à defesa de Dilma - adiamento que veio na esteira de um grande movimento de apoio à governabilidade. O cientista político vê a atuação de empresários e entidades patronais como resultado de uma reação a um mal maior: as demonstrações de irresponsabilidade fiscal do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Rompido com o governo depois que um delator na Lava-Jato o acusou de receber propina de R$ 5 milhões, Cunha passou a não medir esforços em derrotar o Executivo, ainda que isso represente projetos que desequilibrem as contas públicas e provoquem a perda do grau de investimento do país. "O pessoal do sistema político, os empresários, a Rede Globo perceberam que, com o impeachment, a situação ia ficar na mão do Cunha. E ele põe o fogo no circo. Seria uma aventura. Não é um sócio confiável para ninguém, nem para o PSDB. Não acomoda. É de comprar brigar. Ameaça todo mundo. A ficha caiu um pouco, sobre o que significaria [o poder] ficar na mão desse cara", diz Limongi. "Livrando-se do Cunha a coisa fica mais tranquila para o governo", acrescenta, em referência à possibilidade de que ele perca a presidência da Casa, se for denunciado ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Mesmo que Cunha saia, prevê, a relação do governo e do PT com o PMDB vai continuar difícil. Isso porque - uma vez que em 2018 a tendência é que o polo petista se enfraqueça - o PMDB terá incentivo de lançar candidato à Presidência ou apenas se desgarrar. O rompimento estará cada vez mais próximo no horizonte. Para Limongi, a entrada de Michel Temer na chapa de Dilma foi um erro e estaria aí a origem da conturbada relação entre os dois partidos: "Tem crise econômica, Lava-Jato, mas o problema da base aliada vem de antes. O casamento PT-PMDB nunca fechou direito".
A união, diz, prejudicou "o grande jogo que o PMDB sempre fez", de ser um pêndulo nos Estados, que está aliado ora ao PT, ora ao PSDB. Depois de 2010, com Temer como vice, o PMDB perdeu essa maleabilidade regional, sem ter um grande ganho em contrapartida. O PT "nunca fez com o PMDB o que fez com o PSB", para quem deixou o Nordeste, numa partilha eleitoral do território. Pelo contrário. O PT, aponta Limongi, sempre tentou se livrar do PMDB, como no começo do primeiro mandato de Lula, e nos dois de Dilma, quando estimulou a criação do PSD, em 2011, e a ampliação da mesma sigla, recentemente, para esvaziar o PMDB. Com o sócio amarrado, o PT se sentiu à vontade de ceder pouco nas alianças para governador no ano passado. "Não deram nada para o PMDB. O PT trata mal o seu parceiro e é nesse conflito que o Cunha foi ganhando força", analisa.
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