- Folha de S. Paulo
Faz partes das liberdades retóricas que o PT classifique o impeachment como golpe. Objetivamente, porém, não é. O afastamento do presidente da República por crimes de responsabilidade está previsto na Constituição, e a lei n° 1.079 define o que são esses delitos. Como esse diploma é de 1950, não dá para chamá-lo de casuísta.
As disposições da 1.079 são variegadas. Entre os 65 crimes listados, estão incluídos desde condutas muito específicas, como declarar guerra sem a autorização do Congresso, salvo em caso de invasão, até tipos bastante abertos, como "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo", ou "negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas".
A imprecisão é tanta que não parece absurdo afirmar que todo presidente inevitavelmente comete algum crime de responsabilidade, mas é só quando sua popularidade e a economia estão na lona que alguém se lembra de tentar afastá-lo. E isso não chega a ser uma surpresa. O impeachment, afinal, é uma figura meio ambígua. Surgiu na Inglaterra medieval como um procedimento penal capaz de atingir autoridades, mas evoluiu para um mecanismo emergencial de revogação de mandato em repúblicas presidencialistas. Benjamin Franklin, quando propôs que os EUA o adotassem, disse que era uma maneira melhor que o assassinato de remover líderes detestáveis ("obnoxious").
É claro que o fato de o impeachment em princípio não ferir a democracia não significa que devamos usá-lo. A razão é muito simples. Dilma já parou de perpetrar os desatinos econômicos que cometeu em seu primeiro mandato e a crise ainda vai piorar bem antes de melhorar. Qualquer governo que substituísse o atual agora teria curtíssimo prazo de validade. Faz mais sentido deixar que o PT colha os resultados que plantou e preservar as futuras lideranças para um momento de retomada.
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