• "O país não pode ficar sangrando durante três anos"
- Valor Econômico
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não está sozinho quando fala na renúncia da presidente Dilma Rousseff como saída para a crise. Apesar do alívio político que obteve na semana passada, graças a uma bem sucedida articulação político-empresarial, Dilma só pensa em se recompor politicamente para evitar o impeachment.
É uma situação difícil para a presidente, porque nem ela nem seus principais auxiliares cultivam com carinho a arte da boa articulação. As crises em geral deixam o Palácio do Planalto maior que entraram. No dia de hoje, por exemplo, pode-se dizer que está péssima a relação de Dilma como seu vice, o que nunca é boa coisa.
Dilma não engoliu o discurso no qual o vice pediu "alguém" para unificar o país. Os amigos de Dilma, em vez jogar água, jogam gasolina. São os próximos que vazaram a notícia de que a relação entre os dois "trincou". Em duas ou três ocasiões, Michel Temer explicou que na verdade tentara ajudar a conter a fúria fiscal da Câmara. Recebeu olhares enviesados. Da última vez, o vice-presidente da República chegou a dizer que "não existe Michel sem Dilma, como não há Dilma sem Michel".
Na realidade, mesmo a articulação que levou empresários a se manifestar no sentido de dar algum desafogo ao governo parece ter partido de fora do Palácio do Planalto. Foram conselheiros de Dilma que avisaram os congressistas de reuniões empresariais para ajudar Dilma com suas dificuldades. Foram citados, entre outros, Bradesco, a Natura e TV Globo. Não por acaso, na sequência dirigentes ou aliados dessas instituições fizeram carícias no governo. Astuto, Renan Calheiros rapidamente costurou a Agenda Brasil que começou com 27 ponto e já tem mais de 40 - uma receita certa para o fracasso.
Circula nas redes sociais uma entrevista do deputado Ulysses Guimarães, o sr. diretas e todo poderoso presidente do PMDB, quando já se afunilava o impeachment do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello. Ulysses dizia que Collor poderia, àquela altura, ser o Fernando, o Collor ou o Fernandinho para os íntimos. Mas já não era presidente da República. Collor já havia perdido qualquer chance com o Congresso.
Dilma gosta de lembrar da legitimidade de seu mandato. Ulysses dizia que o mandato de Collor fora tirado irrevogavelmente pelo povo. "Ele foi eleito, mas a dimensão de uma eleição é menor que a do plebiscito. A praça pública [onde ficam velhos, crianças, todos que não votaram] é maior que a urna".
É plausível que Dilma não tenha chegado a tanto, mas a manifestação de domingo só reforça o drama do país e aumenta ainda mais o desgaste da presidente. Ela está exatamente na encruzilhada onde se encontraram um problema político grave, por causa da desagregação da base de apoio e dos erros cometidos no início do governo, e o problema econômico, onde o governo - segundo afirmam integrantes dos dois partidos que constituem a aliança, PT e PMDB - atuou pontualmente, fazendo ajustes, mas sem sinalizar como e quando sairemos da crise.
"O país não aguenta ficar sangrando três anos", diz o senador Romero Jucá, um parlamentar que vê a política muito além das tricas e futricas de Brasília, sempre trafegando nas duas mãos - do setor produtivo para o legislativo e vice-versa. Jucá entende que o governo mais precisa, no momento, é recuperar a confiabilidade e a previsibilidade, devolvendo assim ao país a necessária segurança jurídicas para a retomada dos negócios. Ex-líder de governos do PSDB e do PT, o senador acha que a Agenda Brasil tenta colocar uma pauta econômica no debate, mas que nada disso vai adiantar se o governo e sua equipe econômica não tomarem a frente. "Se o governo não ajustar a direção, vai bater de frente com o impeachment."
A renúncia é vista como a saída menos traumática para o país, desde que Michel Temer consiga costurar um pacto de transição com os partidos. O Impeachment, palavra de ordem que domingo prevaleceu nos protestos, implica a abertura de um processo durante o qual as dificuldades econômica se agravariam mais. Não foi desencadeado, até agora, porque o PSDB estava dividido. Além disso, o PT tem hoje mais apoio que Collor tinha em 1992. Como se diz, o PT não é o PRN. As manifestações pro governo, do dia 20, vão dizer. Dilma já falou que não renuncia e vai lutar contra o impeachment.
Atendendo os conselhos de Lula, a presidente deixou a solidão do Palácio da Alvorada e foi defender nas ruas o seu mandato. Apesar do alívio que conseguiu na semana passada, nada indica que a situação de Dilma mudou politicamente. A presidente, ao contrário, tem exibido algumas manifestações de puro desespero, como foi o convite feito a Lula para o ex-presidente ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Convite, aliás, mal feito porque falava das boas relações de Lula com a África e a construtora Odebrecht.
Há pouco mais de uma semana, quando Michel Temer falou em "alguém" para unir o país e o fecho parecia se cercar sobre a presidente da República, nada menos do que três ministros estiveram com Lula, um após o outro, para pedir que ele reconsiderasse o convite. Pela ordem, Edinho Silva (Comunicação de Governo), Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça) ouviram todos a mesma resposta do ex-presidente: não!
Lula, na verdade, já fizera um inventário dos prós e contras. A favor haveria o impacto da nomeação, ele ajudaria a botar ordem na base aliada e seria um contraponto à oposição. Por outro lado, ele seria subordinado a ela? Iria falar e coordenar os outros ministros, tarefa hoje de Aloizio Mercadante? Mas se o governo continuar sangrando e sem perspectivas, Lula morreria abraçado com a presidente, quando ele ainda é o principal nome para manter acesos os objetivos do PT. E sua entrada no ministério, agora, inevitalmente seria interpretada como uma manobra para evitar sua prisão pela Operação Lava-Jato. O que é visto como paranoia até pelos mais renitentes adversários do ex-presidente da República, em Brasília, embora no momento mesmo seus amigos mais fiéis reconheçam que sua imagem está enlameada pelo Petrolão.
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