• Acordo com Cunha lembra estratégia da Primeira Guerra
- Valor Econômico
A semana que começou sob a expectativa da detonação do processo de impeachment termina com a sensação de mais um esvaziamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O potencial de influência dos 13 anos de governo do PT sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) fez-se, ao que parece, presente, depois das conhecidas demonstrações de independência da Corte, como prova o julgamento do mensalão. Em momento crucial, na terça-feira, o Supremo impôs derrota ao desafeto-mor dos petistas, que já se preparava para acionar o plano urdido com líderes da oposição e finalizado, entre sábado e segunda-feira, em reuniões no Rio. Por outro lado, é de se questionar se para a decisão liminar do STF contou menos o favorecimento ao PT do que a reação dos ministros aos métodos heterodoxos de convencimento praticados por Cunha.
A presidente Dilma Rousseff - cada vez mais vociferante contra a possibilidade de ser apeada por "moralistas sem moral" - ganhou tempo. A bola do impeachment, que estava quicando na pequena área do governo, voltou para o confuso meio de campo, no perde e ganha de intensa marcação política e jurídica. Com Collor, tudo foi mais cristalino e fácil, como uma goleada da Alemanha. Com Dilma, é prorrogação atrás de prorrogação. Mas virando o ano, a tendência é de vantagem para os governistas, e a vida política será ocupada pelas eleições municipais.
A situação de Cunha - alvejado pela Operação Lava-Jato - e Dilma - ameaçada pelo parecer do Tribunal de Contas da União - leva ao impasse, provocado por previsões prováveis embora não necessariamente certeiras. Ou os dois se salvam ou os dois se aniquilam. No labirinto de alternativas testadas desde o início do ano, o acordo supostamente em curso entre os dois é o novo lance da partida.
Lembra a estratégia de sobrevivência dos soldados que impacientava generais na Primeira Guerra Mundial. Em determinado momento do conflito, os combatentes nas trincheiras perceberam que, em vez de avançar e matar o inimigo, sob o risco de também morrer, uma boa saída para ambas as tropas era a cooperação. No acordo tácito - já que os soldados não se comunicavam - ninguém matava ninguém. A solução, que ficou conhecida como "viva e deixe viver" ("live and let live"), é um dos exemplos mais citados de estratégias analisadas pela teoria dos jogos, ramo da matemática que encontra aplicações em áreas tão diferentes quanto o direito penal, a economia e a política.
No jogo em andamento da crise nacional, porém, é de se duvidar de sua viabilidade. Qualquer fato novo - vindo da esfera judicial, como os próximos desdobramentos da Lava-Jato - pode abalar compromissos políticos que vêm se tornando cada vez mais efêmeros.
Além disso, o 'timing' de um acordo, analisa um influente pemedebista, já teria passado. Com o presidente da Câmara enfraquecido, acusado de ter contas na Suíça, Dilma ganha mais sendo anti-Cunha, fazendo o contraste - quando diz que tem "força moral" e "reputação ilibada" - do que pactuando com o adversário contumaz, no qual não deposita confiança. "Com esse discurso, ela procura melhorar a imagem na opinião pública", diz a fonte, lembrando que Rodrigo Janot já se beneficiou de ser um anti-Cunha, ao obter 81% dos votos na sua recondução a procurador-geral da República.
Caso Dilma sobreviva, o desafio é saber se terá capacidade de governar ou se ficará permanentemente ferida em campo, sangrando, como espera a oposição.
Sem aumento de popularidade, a presidente será eterna refém da crise política - isto é, da barganha dos aliados e da faca na garganta colocada pelos adversários. Com a crise política, a persistência da crise econômica é mais provável. E com a economia derrubando os empregos e corroendo o poder de compra dos consumidores, a popularidade de Dilma não será retomada, voltando-se ao mesmo ponto. É o triângulo vicioso em que o país se encontra.
As medidas mais importantes adotadas pelo governo para quebrar essa cadeia foram o ajuste fiscal e a tardia reforma ministerial, que deveria ter lhe antecedido. O segundo mandato Dilma começou quase todo errado sob o ponto de vista da articulação política. A escolha de Aloizio Mercadante para a Casa Civil e a disputa pela presidência da Câmara, contra Cunha, cobraram um alto preço.
A questão é se a reforma finalmente estabilizará o governo - onde o PMDB ganhou mais espaço - ou se a concessão motivará exigências maiores dos aliados, que também querem aumentar o seu quinhão. Os instrumentos tradicionais à disposição do Executivo - ministérios, cargos, emendas - não geraram, ainda, o ponto de equilíbrio, como mostrou a falta de quórum para a votação dos vetos presidenciais. E talvez não gerem, como defende o cientista político Carlos Pereira, da Ebape/FGV.
Dilma pode estar numa situação atípica, já que um dos pressupostos para a governabilidade é compartilhar bem os espaços de poder com os aliados. Foi o que a presidente fez com a reforma ministerial. "Mas fez isso tarde demais, numa situação de vulnerabilidade, quando seu poder de barganha é mínimo e o dos aliados é máximo. Para os partidos da coalizão, ser racional é inflacionar o preço do apoio", diz Pereira, para quem os últimos episódios indicam uma faceta "interessante" da gerência de coalizão em presidencialismos multipartidários. "Para se gerir bem uma coalizão parece ser necessário que o presidente compartilhe poder com aliados desde o momento em que ele é forte politicamente", afirma.
Não foi a cartilha utilizada por Dilma ou pelo PT, desde que chegou ao Planalto, em 2003, argumenta. Em 1999, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também teve queda brutal de popularidade e nem por isso tornou-se refém da base, pois "os aliados foram respeitados no momento de bonança". "Durante os 13 anos, os parceiros do PT foram maltratados. No pensamento deles, quem monopolizou que agora pague o dobro", afirma.
E enquanto o impeachment estiver na mesa, a inflação política não tende a baixar.
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