O impeachment de um presidente da República não pode ficar ao sabor das idiossincrasias do presidente da Câmara dos Deputados nem da vontade dos partidos de oposição, muito menos de um acordos entre ambos. Liminares do Supremo Tribunal Federal, concedidas pelos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, puseram um termo, até novembro pelo menos, ao atalho criado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para permitir que PSDB, DEM e outros partidos de oposição levassem adiante um ação para retirar Dilma Rousseff da Presidência, por em princípio conflitarem com a necessária rota legal e constitucional. Em assuntos desta gravidade, despachou Zavascki, "é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica".
Em novembro o STF vai julgar se o roteiro traçado por Cunha, qualificado de "inusitado" por Zavascki, atende a todos os preceitos legais. O rito, criado em resposta à "Questão de ordem 105" da oposição, permite que o indeferimento de pedido de impeachment pelo presidente da Câmara seja derrubado por meio de recurso votado em plenário. O pedido poderia então prosperar por maioria simples da Casa. Até as pedras de Brasília sabem que esse jogo estava combinado entre Cunha e a oposição.
Fiel a seu estilo autoritário, Cunha reservou para si poderes de interferência na comissão especial para analisar o pedido de impeachment, o passo seguinte à aprovação na Câmara. Em princípio, segundo o STF, nada disso está na lei 1079, de 1950, nem na Constituição, que prescreve que o julgamento de crime de responsabilidade do presidente da República deve seguir os trâmites de uma lei especial.
Cunha, sobre quem se fecha o cerco das investigações sobre corrupção, continuou, porém, com o poder de decidir sozinho se encaminha ou sepulta os pedidos de impeachment, o que tornou as comemorações governistas precipitadas. Acuado pela Lava-Jato, apontado como correntista milionário de dinheiro espúrio em contas suíças, além de ter mentido a respeito em depoimento à CPI da Petrobras na Câmara, Cunha luta para salvar sua pele. Se perder o mandato a prisão será seu provável destino.
Em outras circunstâncias, um político nessa situação já estaria no ostracismo e desacreditado junto a seus pares. Hoje ocorre o contrário. A oposição o cativa e tenta convencê-lo a tocar em frente o barco do impeachment. O governo que o hostilizou quando nada havia ainda contra ele e tentou impedi-lo de chegar ao comando da Câmara, agora procura ardorosamente a conciliação. A liderança do PT não quer que seus deputados peçam sua cassação e emissários do Planalto avaliam as condições de Cunha para que ele não se mova na direção da oposição.
O governo ganhou tempo. Comporta-se, porém, como se estivesse perto de virar esta página, o que é prematuro. Tanto a presidente Dilma quanto Lula passaram a elevar o tom contra a oposição, com argumentos que seguem caminho perigoso. Anteontem, ao criticar o "golpismo descarado" dos defensores do impeachment, Dilma mencionou, em discurso à CUT, a "inviolabilidade de um mandato concedido pelo povo" como uma característica da "democracia pela qual nós lutamos". Todo mandato vem do povo e nenhum é inviolável, já que a própria Constituição estabelece condições para que um presidente seja deposto, como o foi Fernando Collor, com a ajuda de seu aliado de hoje, o PT.
Lula disse, e a presidente concorda, que as "pedaladas" foram feitas para pagar o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, sugerindo, em uma interpretação aberta, que as leis que regem a responsabilidade fiscal podem ser desrespeitadas desde que isso possa, em tese, beneficiar o povo. Politicamente inábil, a mensagem soa provocadora logo após a condenação das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União, em um momento em que a oposição quer utilizar a continuidade das "pedaladas" para nova investida pelo impeachment.
Após uma trégua dos mercados, Lula voltou a bombardear a política de austeridade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy - a única saída para a economia à vista - e afirmou que "não tem um país no mundo que tenha feito ajuste e melhorado a economia". Teve: o Brasil do primeiro mandato de Lula, que conviveu com superávits fiscais elevados para debelar uma crise. E com Levy no governo.
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