quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ribamar Oliveira - Sob bombardeio de Lula, Levy defende ajuste

• Há sinais de mudança no discurso do governo sobre o ajuste

- Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, lembrou ontem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou, em 2003, o superávit primário do setor público para enfrentar as dificuldades econômicas de então, momento marcado pela disparada do dólar e pela falta de confiança no governo.

"Quando o presidente Lula assumiu, havia dúvidas sobre o compromisso fiscal, mas ele conduziu de uma maneira que essas dúvidas se dissiparam", disse o ministro para um plenário da Câmara dos Deputados esvaziado, durante audiência pública. "Depois disso, o câmbio voltou ao normal e a economia cresceu em 2004. "

Levy fez a defesa do reequilíbrio das contas públicas como condição indispensável para a retomada do crescimento da economia. "Se há segurança fiscal, as pessoas tomam riscos, os empresários investem e rapidamente o crédito volta, o emprego volta e a economia cresce", argumentou. O ministro afirmou que a mesma coisa ocorreu em 1999, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez o ajuste das contas públicas, cortando gastos e aumentando os impostos. "A economia cresceu 4,5% em 2000", disse.

Levy alertou que as medidas necessárias para o reequilíbrio das contas públicas precisam ser adotadas com rapidez. "É preciso reagir rapidamente, com a adoção das medidas que forem necessárias", afirmou. "Se não tivermos um orçamento robusto (em 2016), com superávit, será muito ruim e poderá ocorrer novo rebaixamento", explicou.

As palavras de Levy pareceram a muitos deputados uma resposta educada aos ataques feitos por Lula, no dia anterior, à atual política econômica. Durante o congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o ex-presidente afirmou que o governo precisa abandonar imediatamente o ajuste fiscal. Para ele, o governo não pode falar mais em corte de gastos, mas sim em crescimento. "Não tem um país no mundo que tenha feito ajuste e melhorado a economia", disparou Lula. Para ele, se o governo continuar com a atual política econômica correrá o risco de assumir o discurso da direita.

Levy mostrou ontem que o ex-presidente teve um lapso de memória, pois o superávit primário do setor público nunca foi tão alto, como no primeiro mandato de Lula, tendo chegado a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) - um recorde histórico. Na época, ele adotou o discurso do ajuste das contas públicas, da responsabilidade fiscal, e não considerou esse discurso como "de direita".

As palavras do ex-presidente, que poderiam ser consideradas apenas um discurso dirigido para a sua base de apoio, parecem ter repercutido dentro do governo. Ontem, a presidente Dilma Rousseff, durante a entrega de 807 moradias em São Carlos, no interior de São Paulo, disse que o país está "passando por período de dificuldades, que faz com que a gente tenha que apertar um pouco o cinto, mas não vamos deixar de garantir o Minha Casa, Minha Vida 1 e 2".

As palavras da presidente indicam uma busca de sintonia com o discurso de Lula e dão a entender que o reequilíbrio da proposta orçamentária de 2016, que apresenta um déficit de R$ 30,5 bilhões, não poderá afetar os gastos do programa habitacional do governo, que prevê desembolsos de R$ 15,5 bilhões no próximo ano e o lançamento de sua fase 3.

Durante a audiência pública de Levy, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que o governo vai enfrentar a crise econômica "preservando as conquistas na área social", fazendo um ajuste que não tenha uma "visão neoliberal", sem explicar exatamente o que isso significa. Mesmo com a defesa que Levy fez do ajuste, o discurso do restante do governo pode ter começado a mudar na direção proposta por Lula.

A aprovação rápida das medidas que tornarão superavitário o Orçamento de 2016, em meio a atual crise política, parece ser um sonho do ministro da Fazenda de difícil realização. O pacote de medidas apresentado pelo governo é composto por três propostas de emenda constitucional (PEC), dois projetos de lei e três medidas provisórias. Nenhuma das propostas têm sequer parecer.

Uma das PECs do governo, que propõe a desvinculação de 30% de todos os impostos e contribuições federais, foi anexada a outra, de autoria do atual ministro das Comunicações, deputado André Figueiredo, que prevê o contrário: uma gradativa redução da desvinculação das contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social. Não há acordo sobre o tema, não há parecer e, se não for aprovada até o fim deste ano, a administração pública federal terá imensa dificuldade para fechar suas contas.

Outra PEC do governo acaba com o abono permanência, mais conhecido entre os servidores como "pé na cova". O abono, que corresponde ao valor da contribuição previdenciária, é concedido por àqueles servidores que adiam a aposentadoria. Essa proposta é considerada "um tiro no pé" por consultores do Congresso e assessores de importantes parlamentares e sua aprovação é tida como muito improvável.

A terceira PEC prevê a recriação da CPMF. Ontem, o ministro Levy ouviu de vários líderes políticos que ele faria melhor se desistisse da proposta e buscasse uma alternativa. Apenas o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), deu esperanças a Levy, dizendo que a recriação da CPMF precisa ser discutida pelo Congresso.

Além das propostas do ajuste, o Congresso precisa aprovar a mudança nas metas fiscais de 2015 e 2016, até dezembro. A oposição já anunciou que tentará evitar a aprovação da mudança da meta deste ano, o que forçaria o governo a adotar cortes drásticos nas despesas para que não seja caracterizado crime de responsabilidade por parte da presidente Dilma Rousseff.

O Congresso precisa aprovar também o Orçamento de 2016, o Projeto Plurianual (PPA) 2016/2019 e discutir as contas de Dilma relativas a 2014, que o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que não sejam aprovadas.

A aprovação das medidas do ajuste das contas públicas até dezembro, que seria difícil em condições normais, fica mais complicada com a atual crise política, na qual a presidente Dilma está sob ameaça de impeachment e com baixíssima popularidade. Não há entendimento sobre as medidas sequer na base governista.

Nenhum comentário: