• O sinal do governo de que atenuará um ajuste que sequer começou se soma à alta de juros nos EUA e ao rebaixamento do Brasil, para formar uma tempestade perfeita
O segundo mandato de Dilma padece de um conflito até aqui insuperável — ela pode concordar que seja necessário um ajuste fiscal, mas equilibrar o Orçamento pelo corte de despesas vai contra sua fé ideológica no “desenvolvimentismo”.
A presidente vive o tormento de ter causado uma das maiores crises fiscais da História — ao colocar em prática, com a ajuda de Guido Mantega e Arno Augustin, o tal “novo marco macroeconômico” —, e não conseguir aplicar a terapia indicada para o caso, por ir contra suas convicções. E assim Dilma termina contribuindo para agravar ainda mais os problemas, num caso indicado para divã psicanalítico de tratamento de transes causados por conflitos entre fé e realidade.
A desautorização do ministro Joaquim Levy, na escolha da meta de superávit para 2016 — 0,5% do PIB contra o 0,7%, defendido por Levy —, é esclarecedora. A meta proposta pelo ministro da Fazenda já era muito tímida diante do desastre fiscal, mas Dilma, ao ficar com a posição mais heterodoxa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, ligado ao PT, escolheu um lado — que é o seu, e não o de Levy. O ministro não tem mesmo mais nada a fazer em Brasília.
Esta sinalização não é de hoje. Raro momento em que ela agiu na prática a favor do ajuste. E, vêse, permite transitar pelo Planalto teses inconsistentes como a de que a recessão que se aprofunda é causada pelo ajuste fiscal. Ora, o ajuste efetivo sequer começou a ser feito. O desaquecimento da economia já vem da segunda metade do primeiro mandato de Dilma. O próprio “novo marco”, ao desequilibrar as contas fiscais e esgotar a via do consumo para acelerar o crescimento da economia, forçou a retração dos investimentos e gerou inflação — maquiada pelo congelamento de tarifas e preços públicos.
Outra falácia é usar-se o pretexto da defesa do Bolsa Família para não se adotar a meta de 0,7% do PIB. Os gastos continuam em alta — tanto que o déficit nominal se mantém no nível de insustentáveis 9% do PIB —, e seria bastante factível realizar cortes em outras áreas para preservar o BF na totalidade. A já crítica situação fiscal se agravará, porque a economia não reagirá diante da mensagem do Planalto de que se prepara para atenuar o arremedo de ajuste feito até agora.
A isso se somam a primeira alta dos juros americanos, em sete anos, e o recente rebaixamento da nota de risco do Brasil pela Fitch. Com dois rebaixamentos que resultam na cassação do selo de baixo risco — o outro havia sido da S&P —, fundos de investimento de peso são obrigados, por estatuto, a vender os títulos do Brasil.
O movimento é reforçado pela elevação dos juros americanos, pois os títulos públicos dos EUA, os mais seguros do mundo, se tornam mais rentáveis e tendem a atrair divisas de economias sem perspectivas, como a brasileira. Disso resultam mais desvalorização cambial, mais inflação, mais recessão. O recuo de Dilma no ajuste ajuda a compor uma tempestade perfeita.
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