- O Globo
“Devo ir à Turquia?” A pergunta foi feita pelo ministro Joaquim Levy à presidente Dilma Rousseff no dia 13 de novembro, antes do embarque para a reunião de cúpula do G-20. Durante o dia, vários boatos circularam de que o ministro estava caindo, e por isso ele achou por bem perguntar. A presidente afirmou que sim, e ficaram de conversar em Ancara.
Levy, no embarque naquela noite, decidiu que teria uma conversa clara e definitiva com a presidente, mas houve pouco tempo na Turquia, apenas o suficiente para que ela afirmasse que gostaria que ele permanecesse. De lá, em Antália, Dilma deu uma entrevista afirmando que ele permaneceria no cargo. Foi sempre assim com Levy, esse cai não cai. A de novembro foi apenas uma das várias crises em que o ministro Joaquim Levy quase deixou o governo. Agora ele está de fato saindo, mas este tem sido um longo gerúndio.
Levy entrou como um estranho no ninho e assim permaneceu no governo de uma presidente com quem não compartilha muitas convicções. Ele esteve para sair do Ministério da Fazenda tantas vezes que a grande dúvida entre os seus amigos é por que ele continuava a despeito das várias demonstrações de desprestígio de que foi alvo publicamente. Nos últimos dias, houve mais uma conversa difícil com a presidente. Ao fim, ele comunicou a assessores que aguardaria no cargo, a pedido da presidente, mas sabia que não tinha mais espaço.
Dilma, desde o começo, preferiu ouvir o ministro Nelson Barbosa em todos os momentos em que houve divergência entre os dois. Foi assim agora, de novo. O ministro Joaquim Levy defendendo o superávit de 0,7%, o ministro Nelson Barbosa preferindo zero ou uma meta flexível. No final, foi aprovado, ontem, a meta de 0,5% de superávit, em parte porque Levy atuou diretamente no Congresso.
Levy disse, nas reuniões internas, que essa ideia de meta flexível era muito ruim, porque agentes econômicos querem do Brasil sinais mais claros e firmes sobre nossas escolhas, e não podia ser uma meta que oscilasse. Mesmo assim, Nelson Barbosa defendeu que fosse uma meta flexível e que se adotasse o mesmo expediente que deu problemas no passado, o do desconto de algumas despesas. A presidente concordou com Nelson, e isso foi anunciado através do Congresso. Como consequência, a Fitch rebaixou o Brasil, exatamente por esse vai e vem de metas que nada garantia sobre o futuro.
Outra grande crise do ministro Levy no governo foi durante o envio ao Congresso do Orçamento deficitário. Aquela talvez tenha sido a pior humilhação que ele enfrentou. Ele foi a Campos do Jordão defender, numa reunião de empresários, a CPMF da qual havia discordado. Enquanto ele estava lá, a presidente fez uma reunião com o ministro Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante. Era sábado, 29 de agosto. Levy foi chamado para voltar a Brasília e foi informado de que um jatinho o pegaria. Quando ele entrou na reunião, a decisão estava tomada.
Levy discordou do envio do Orçamento com déficit. Seria a primeira vez que isso aconteceria, disse, e previu que a decisão levaria ao rebaixamento do Brasil. A presidente Dilma havia tomado a decisão, nada mais a fazer. O Orçamento foi com rombo de 0,5% no dia 31 de agosto. No dia 9 de setembro, dez dias depois, a Standard & Poor’s rebaixou o Brasil e o dólar disparou. Diante disso, o governo decidiu mandar para o Congresso as medidas para reverter o déficit transformando-o em superávit. As decisões continuaram mudando até que ontem foi aprovado 0,5% de superávit, mas com claros sinais de que pode voltar a mudar.
Levy achava que poderia produzir o mesmo efeito da chegada da equipe de Palocci da qual participou. Ela produziu um choque de credibilidade que restaurou a confiança na economia. O problema é que este ano é bem diferente de 2003. Agora, o governo já havia produzido um rombo grande demais, e ele não tinha outros apoios no governo, além do presidente do Banco Central.
O combinado entre a presidente e ele foi que Levy permaneceria até a aprovação de algumas medidas fiscais que estavam no Congresso enquanto a presidente buscaria seu sucessor. Levy preferia sair sem causar muita marola, mas ontem acabou deixando escapar a palavra de despedida.
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