• País no paradoxo do expansionismo fiscal contracionista
- Valor Econômico
A deterioração das contas públicas chegou a tal ponto que o país já estaria vivendo o paradoxo da "expansão fiscal contracionista". Ou seja, cada vez que o governo anuncia algum relaxamento da política fiscal, permitindo o aumento do gasto público, ao invés de a atividade econômica reagir, ela se deprime ainda mais, tomada pela onda de pessimismo que se dissemina, destrói o que ainda resta de confiança e paralisa a produção e o consumo.
Joaquim Levy, ministro da Fazenda, tem dito e insistido que em casos como este o afrouxamento fiscal torna-se contraproducente, um tiro no pé. Não há no restante do governo, porém, quem compartilhe dessa visão. A presidente quer propagar crescimento. Levy fala sozinho. Frente à absoluta falta de uma âncora fiscal, lança-se mão da âncora monetária para conter a inflação.
Mesmo os economistas mais ortodoxos, porém, se dividem quanto à eficácia de aumentos adicionais da taxa de juros para estabilizar os preços, diante do custo que isso significará para a sociedade. Há os que acham que é isso mesmo, na ausência de esforço para frear o endividamento público resta endurecer mais na política monetária para quebrar a espinha dorsal da inflação de dois dígitos.
O Banco Central já avisou que esse será o seu caminho. Na próxima reunião do Copom, nos dias 19 e 20 de janeiro, a taxa Selic deve ser aumentada dos atuais 14,25% ao ano. A posição do Banco Central, em um cenário de pesado nevoeiro político e econômico, é de que é preciso deixar claro que ele tem munição, arma e determinação para agir e retomar a ancoragem das expectativas.
Outro grupo, porém, acredita que essa opção vai custar uma contração adicional do PIB em 2016. A partir dessa ótica, começa a se prognosticar, no mercado, uma recessão para o próximo ano pior do que a deste exercício por duas razões: as incertezas decorrentes do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e uma nova rodada de aumento dos juros. Uma combinação que vai aprofundar a recessão e levar o país para rumos que nem os mais ferrenhos ortodoxos recomendariam: dois anos da maior recessão da história.
"Já estamos no limite do tolerável pelo organismo econômico", disse um ex integrante do governo do PT, que não costuma alardear pessimismo.
Muito se discute, atualmente, a dominância fiscal, uma antessala da hiperinflação. Uma das definições da dominância seria que, dado o estado de penúria das contas públicas, quando o BC sobe os juros, o câmbio se desvaloriza e a inflação aumenta, em vez de cair, criando uma espiral negativa.
Um dos economistas que mais estudaram a dominância não acredita que estejamos em tal situação, mas alerta para o fato de que a expansão fiscal contracionista já é uma realidade por aqui. O que torna totalmente sem futuro os gritos de "Quero a Dilma que elegi" das manifestações de quarta feira. Não há mais dinheiro para as promessas eleitorais de Dilma. O país empobreceu. Virou "junk" (lixo) no rating internacional.
Há colchões importantes para livrar o Estado brasileiro do risco de insolvência, como as reservas cambiais de US$ 370 bilhões e a Conta Única do Tesouro Nacional, que dispõe de quase R$ 800 bilhões para abater a dívida interna. Mas o fato é que como "junk", o Brasil passa a frequentar o rol das nações com problemas de solvência de onde havia saído em 2008, no governo Lula, com a conquista do "grau de investimento". Isso tem custo para as empresas, para os trabalhadores e para o governo.
O país estava com boas expectativas de desinflação quando, em julho, o governo mudou a meta fiscal de 1,1% do PIB para 0,15% do PIB (que hoje é de 0,5% de déficit). Mas foi após o envio ao Congresso Nacional de um Orçamento deficitário para 2016 que tudo mudou para pior. No dia 9 de setembro, o Brasil perdeu o grau de investimento da Standard & Poor's.
A expectativa de inflação, que estava em 5,4% para o próximo ano e de 4,55% para 2017, disparou e hoje encontra-se em 6,8% e 5,1%, respectivamente. E o BC avisou que retomará o ciclo de aperto monetário.
A distribuição da renda feita nos anos de governo PT vai desaparecer se o Estado não for capaz de honrar seus compromissos no médio e longo prazos. E isso só será possível com uma política de superávits nas contas públicas que estabilize e, na sequência, reduza a dívida interna como proporção do PIB. Os avanços sociais serão destruídos pela inflação.
A dívida líquida do setor público não é tão grande - R$ 1,96 trilhão, ou 30,4% do PIB - mas a taxa de juros implícita no endividamento é absurda: 30,6% ao ano. Os juros são altos, principalmente, porque o governo cobra menos nos empréstimos que fez para o setor privado do que paga para financiar sua dívida em mercado; e porque tem que arcar com o custo de carregamento das reservas cambiais. Isso significa que se não aumentar um tostão sequer, em três anos a dívida mais do que dobra só com os juros.
Infelizmente não há atalho. Os juros só vão cair quando voltar a percepção de solidez nas contas públicas.
Na área externa, a taxa de câmbio se desvalorizou bastante e uma parte do ajuste está se processando. O país ficou mais competitivo e o trabalhador, mais pobre, mas é das contas externas que vem a única fonte de crescimento deste ano. Como a queda dos demais setores é mais intensa, estima-se que a recessão será da ordem de 3,5% ou mais.
O resultado dos cinco anos de governo Dilma pode ser medido pela seguinte comparação: enquanto o mundo nesse período cresceu cerca de 18%, os emergentes, exceto o Brasil, cresceram em torno de 28% e o Brasil, 5,3%. O Brasil deu uma ré.
O governo se vê - em um momento de tremenda fragilidade política, em que tem como prioridade evitar o impeachment - diante de um desafio gigantesco. Ou retoma a responsabilidade fiscal, com a geração de superávits primários que limitem o crescimento da dívida, ou a inflação fará o serviço da pior maneira possível, punindo sempre mais os mais pobres. O fiscal é precondição para a retomada do crescimento.
Essa é uma visão progressista. O resto é equívoco. Vãs esperanças.
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