- O Globo
“O procedimento no âmbito do Senado prevê fase inicial de análise sobre o recebimento (ou não) da denúncia, que corresponde a um juízo necessariamente superficial, em que não há produção de provas, nem oportunidade para que o presidente responda à acusação. Não há propriamente análise de mérito nesta fase”. A definição é do ministro do STF Luís Roberto Barroso, que liderou a divergência no julgamento sobre o impeachment no STF e definiu o rito a ser cumprido por Câmara e Senado.
Esse esclarecimento certamente será oficializado quando o Supremo responder aos embargos de declaração que serão impetrados quanto a esse e outros pontos da decisão, mas demonstra claramente que é equivocada a interpretação de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, ganhou um peso político maior pela possibilidade de o Senado rejeitar liminarmente o processo de impeachment. Especialmente depois que o STF aceitou quebrar seus sigilos fiscal e bancário.
Nessa 1ª fase, a comissão do Senado, por maioria simples, aprovará ou não o processo do ponto de vista apenas das questões burocráticas. É o que se depreende também do despacho da comissão especial para o presidente do Senado na época do impeachment do então presidente Collor, Mauro Benevides, disponível nos registros do Congresso, que o leitor Marcelo Mafra Magalhães de Lima Franco, engenheiro, me enviou.
Em 30/9/1992, pelo ofício SGM (Secretaria Geral da Mesa) nº 1.388, a Câmara encaminhou ao Senado a decisão de admissibilidade da acusação contra o presidente, com base no art. 86 da Constituição, juntamente com toda a documentação referente ao caso.
Nesse mesmo dia, o presidente do Senado, Mauro Benevides, assinou o documento, acusando recebimento, e convocou para o mesmo dia uma sessão de plenário, onde, com a presença de 52 senadores, foi nomeada uma comissão especial, composta por 21 senadores, tendo como presidente o senador Élcio Álvares e como relator o senador Antonio Mariz.
Essa comissão especial de senadores, pelo ofício nº 302, analisou e encaminhou de volta ao presidente do Senado seu parecer, informando que “o processo por crime de responsabilidade deve ser instaurado, pois a documentação está adequada, de acordo com a lei 1.079 e a Constituição”.
Em 1/10/1992, o presidente do Senado encaminhou o ofício SM (Secretaria da Mesa) nº 190/92 ao então presidente Fernando Collor comunicando-o de que ele estava afastado da Presidência por até 180 dias.
O ministro Carlos Veloso, relator do mandado de segurança no Supremo citado por Renan Calheiros, corrobora essa interpretação afirmando que o vocábulo “processar” não inclui essa “esdrúxula interpretação”. “Processar” significa que ele recebe o processo e toma as providências que estão na lei 1.079, explica Veloso.
O advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm concorda com a interpretação, afirmando que a decisão do STF reconheceu ao Senado a competência para exercer juízo de admissibilidade autônomo quanto à denúncia por crime de responsabilidade, mesmo após autorização para instaurar o processo aprovada por 2/3 dos membros da Câmara.
Mas ressalta: “O Supremo fez questão de enfatizar que tal decisão do Senado será tomada por maioria simples, e não por 2/3 de seus membros, como se exige para o julgamento de mérito. Isso significa, a meu ver, que no juízo de admissibilidade o Senado deve se limitar à verificação das condições de procedibilidade, isto é, se os requisitos formais da peça acusatória foram observados para a instauração do processo contra a presidente da República”.
Parece lógico, adverte Binenbojm, que, diante de deliberação pela admissibilidade já tomada por 2/3 dos membros da Câmara, o Senado se limite, nesse momento seminal do procedimento, a afastar as denúncias com defeito formal. “Do contrário, caso o Senado pudesse fazer julgamento de mérito antecipado, por mera maioria simples, tal circunstância o colocaria numa inadmissível posição de superioridade em relação à Câmara. Não creio tenha sido essa a lógica da decisão do STF: antes, ao contrário, o STF parece ter pretendido prestigiar o equilíbrio de forças entre as duas Casas”.
Qualquer decisão, portanto, que fuja dessa característica de “análise superficial” poderá ser contestada no próprio Supremo.
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