• No Planalto e no PT, prevalece a ideia do enfrentamento
- Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) praticamente zerou o jogo do impeachment, sem nenhuma deferência à Câmara dos Deputados, mas o afastamento da presidente Dilma Rousseff é um assunto que vai sobreviver a 2015 e ainda será a principal pauta do Congresso em 2016, ao menos no primeiro trimestre. Desta vez não mais como uma disputa entre a presidente da República e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas entre Dilma Rousseff e a sociedade.
A boa nova para a presidente da República, neste particular, é a pesquisa Datafolha divulgada no último domingo. Segundo o instituto, arrefeceu ligeiramente o ímpeto pró impeachment da opinião pública, que era de 65% em novembro e agora está em 60%. De acordo com o Datafolha, faltam 127 votos para aprovar o impeachment e apenas 12 para que Dilma escape do processo. Se o instituto detectou uma tendência, Dilma está perto de uma vitória. Há um contingente de 27% da Câmara, o equivalente a 138 deputados, que ainda não se posicionaram e devem decidir a parada. Os antecedentes indicam que o mais provável é o estouro da boiada, com os votos indo majoritariamente para o lado que se desenhar vencedor. A votação será aberta.
A última semana foi extremamente favorável à presidente da República. Tem razão, no entanto, o governador do Maranhão, Fávio Dino (PCdoB), quando afirma que Dilma deve aproveitar o embalo e usar os próximos 60 a 90 dias para recompor sua base de sustentação política no Congresso. Segundo projeção do Datafolha, Dilma tem no momento 159 votos contra o impeachment e precisa de ao menos 171. É na Câmara que se dará a mãe de todas as batalhas, apesar das limitações impostas pela Suprema Corte a esta etapa do processo.
É possível que a tramitação na Câmara extrapole o primeiro trimestre, o que será ruim para o governo. O fator Cunha será decisivo. Se não renunciar - o que está entre suas considerações - ou for afastado por decisão do STF, conforme pedido do Ministério Público Federal, Cunha deve travar uma disputa judicial em torno de aspectos que não ficaram suficientemente claros na decisão tomada na quinta-feira.
Os parâmetros estabelecidos pelo STF para a análise do impeachment praticamente neutralizaram Eduardo Cunha, um ativista do afastamento da presidente. Não é à toa que ele vai bater às portas do tribunal. Cunha quer saber, entre outras coisas, o que deve ser feito se a comissão indicada pelos líderes partidários - como determinou o tribunal - não tiver a aprovação da maioria dos votos do plenário da Câmara. O Supremo abriu essa porta ao entrar em questões muito específicas ao funcionamento do Legislativo.
É certo que o STF também fortaleceu a posição do Senado, ao estabelecer que a Câmara Alta, expressão quase em desuso utilizada pelo ministro Marco Aurélio Mello, pode rever a decisão dos deputados sobre a admissão do processo. A longo prazo, no entanto, a desidratação de Cunha parece mais importante, pois é difícil imaginar que o Senado venha a se opor a uma decisão tomada por 342 ou mais votos da Câmara Baixa. A cúpula do PT e ministros da área política são os primeiros a reconhecer que se o governo não tem 171 votos na Câmara não tem mesmo como continuar.
Por isso a preocupação imediata de Dilma e do governo federal é a Câmara dos Deputados. Se o processo for derrubado nesta fase, nem segue para a apreciação dos senadores. A estratégia para vencer entre os deputados, no entanto, é que não parece clara entre os governistas. Há quem defenda uma distensão, inclusive com o PSDB, como o governador Dino. No Palácio do Planalto e no PT, prevalece a ideia do enfrentamento. Mais no PT que em palácio, o argumento é que já não há mais espaço para conciliação, seja na disputa legislativa ou na política econômica do governo, após a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa na Fazenda.
No PT e no governo defende-se que é preciso "exemplar" os irredutivelmente infiéis da base aliada, assim como foi a demissão de um vice-presidente da Caixa indicado por Eduardo Cunha. Mas "exemplar" com equilíbrio, pois se o governo federal tirar os cargos de todos os infiéis, pode ficar sujeito a uma rebelião na Câmara. A ideia é apenas provocar a sensação de que o deputado tem algo a perder sendo desleal.
Outro fato favorável a Dilma, sem dúvida, é a divisão da oposição. O impeachment de Fernando Collor de Mello foi praticamente uma unanimidade nacional, o que permitiu a seu vice, Itamar Franco, formar um governo com quase todas as forças partidárias que contribuiram para tirar o presidente - a exceção foi o PT, ainda assim com dissidências. Atualmente, o PSDB está rachado não sobre a saída de Dilma, mas sobre como ela deve sair (impeachment ou por meio do julgamento na Justiça Eleitoral) e se o partido deve ou não participar de um eventual governo Michel Temer, o que terá inevitavelmente reflexos na disputa interna dos tucanos.
Após uma semana desfavorável, o vice-presidente Michel Temer procura juntar os cacos do PMDB. Na noite de domingo, acompanhado do fiel escudeiro Moreira Franco, recebeu para jantar em São Paulo o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador do Estado Sérgio Cabral. A tríade carioca deixou claro a Michel sua gratidão aos governos Lula e Dilma, pelos investimentos feitos por ambos no Rio, imprescindíveis no momento em que a cidade se prepara para sediar os jogos olímpicos, no segundo semestre do próximo ano.
Pezão, Paes e Cabral, porém, fizeram questão de dizer que Temer é o candidato do grupo carioca para presidir novamente o partido, na convenção marcada para março de 2016. Ontem, Moreira Franco já estava de volta ao Rio, onde tinha uma reunião marcada com Jorge Picciani, pai do deputado Leonardo Picciani, cabeça de praia do Palácio do Planalto na bancada do PMDB. Graças ao esforço de Dilma, o deputado conseguiu o número de assinaturas suficientes para se manter como líder da bancada na Câmara. Antes de voltar a pensar num governo de transição, Temer precisa reparar os danos provocados pelo ataque do governo no PMDB.
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