• Impeachment voltou às mesas de negociação
- Valor Econômico
Se houver impeachment e Michel Temer assumir a Presidência da República, o compromisso do vice é cumprir o restante do mandato de Dilma Rousseff e não disputar a reeleição em 2018. Pode até concorrer ao governo de São Paulo, num acordo com o PSDB. O Palácio do Planalto passaria a ser o objetivo de um conjunto de forças políticas como foi em 1989, a primeira eleição direta para presidente, após a redemocratização.
À época, havia candidatos para todos os gostos e a eleição definiu os vincos da face política dos últimos 30 anos. À esquerda havia Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, para não falar de quem já entrou na disputa sem chances de vitória mas com simbolismo, como Roberto Freire, representando o antigo "Partidão". A direita, para usar a expressão consagrada à época, estava sortida mas buscava um candidato.
Havia Paulo Maluf (PDS), do partido do regime caído, os liberais Guilherme Afif Domingos (PL) e Aureliano Chaves, do PFL, dissidência do regime, e uma opção social-democrata que interessou por algum tempo à direita: Mário Covas, do recém-fundado PSDB. O candidato do governo, em tese, seria Ulysses Guimarães (PMDB). Com as forças rachadas à esquerda e à direita, a eleição acabou em novidade - Lula e Fernando Collor (PRN).
Em linhas gerais, esse era o quadro de 1989. Pode se repetir na hipótese de Temer exercer um mandato-tampão. O vice-presidente da República evita falar em impeachment, mas não se fala de outra coisa nos gabinetes mais importantes de Brasília desde a quarta-feira última, quando o Senado entregou numa bandeja a cabeça do senador Delcídio Amaral (PT-MS) ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Michel não fala de impeachment, mas seus amigos falam. Se tiver que assumir, o vice estará informado e preparado para formar rapidamente um governo de coalizão. A reeleição é um nó a ser desatado. Os amigos de Temer já avisaram que o vice não disputará um segundo mandato, se tiver de assumir agora. E foram ouvidos.
No PSDB há quem ainda desconfie de Temer. O partido finalmente aderiu à tese do impeachment, mas a decisão pode ter vindo tarde. Apesar dos prognósticos em contrário, partes do PT e do PMDB registram reação de Dilma na pesquisa Datafolha (sua aprovação cresceu quatro pontos) e difundem esperanças de que a economia chegou ao fundo do poço. Não teria mais como piorar.
A ligação mais forte de Temer no PSDB sempre foi o senador José Serra (SP), que também não desistiu de lutar pela Presidência. A situação fica mais complexa quando se constata que dificilmente o senador e atual presidente do partido, Aécio Neves, perde a indicação para 2018. Ele tem o domínio do partido. Serra pode ser uma opção no PMDB.
O impeachment de Dilma murchou no fim de julho, início de agosto. Foi por essa época que uma combinação político-empresarial julgou possível contornar a crise econômica, salvando-se o mandato da presidente. A política e a economia pioraram desde então. Como arrependimento não mata, voltou-se a falar em restaurar um mínimo de governabilidade a fim de assegurar a transição para que o presidente a ser eleito em 2018 pegue o país com as bases prontas para a retomada do crescimento.
Antecipar a eleição de cabo a rabo, como chegou a ser proposto, tem cheiro de golpe. As opções são Dilma fica, impeachment, renúncia ou cassação do registro da chapa eleita. Temer pode ser o presidente em quase todas as hipóteses. Mas o impeachment não é assunto pacificado em Brasília. Falta o "Fiat Elba", o carro pago com um cheque fantasma de PC Farias que servia à família do presidente. Está nas mãos de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, decisão que pode usar como moeda de troca.
As pedaladas para fechar as contas do governo de 2014 não convenceram nem sequer o presidente do Senado, Renan Calheiros. Deve-se esperar o mesmo em relação ao segundo pedido assinado pelo jurista Hélio Bicudo, que acrescentou as pedaladas de 2015. Ridículo, porque as contas desse período nem sequer foram fechadas. Ou seja, trabalha-se com a suposição de que um crime será cometido.
A conversa que justificou a prisão do ex-líder Delcídio pode fornecer elementos, mas segundo os líderes partidários, motivo não será um problema para levar Dilma até o cadafalso. O que deve abreviar o mandato da presidente - se isso ocorrer - é sua completa incapacidade para governar, sem maioria para aprovar projetos importantes para a recuperação econômica. O motivo aparece. Dilma precisa urgentemente ganhar algo no Congresso, com autoridade. A abertura do processo de impeachment será o início do fim.
Sinal do clima político em Brasília. Terminada a sessão que manteve a prisão de Delcídio, na noite da última quarta-feira, líderes foram para a casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, "tomar um vinho". Não era uma celebração, mas também não era um velório.
Pela manhã, eles pensavam em aprovar a votação secreta sobre o pedido de prisão de Delcídio, o que dava alguma chance ao colega em apuros. A partir das 11hs constataram que a temperatura era muito elevada para Delcídio e receberam sinais de que o STF daria uma liminar a favor da sessão aberta, se o Senado decidisse o contrário. Por fim, o PT divulgou uma nota em que entregou Delcídio aos leões.
Um dos senadores presentes, então, resolveu contar uma piada entendida por todos como a mais perfeita e bem acabada síntese do dia.
Sem crédito em mais nenhum bar de uma cidade do interior, o bêbado propôs ao dono do comércio: tomaria uma dose de cachaça sem tocar o copo com as mãos nem levá-lo à boca. Se perdesse, sua dívida dobraria. E seria anistiado, caso vencesse. O proprietário serviu uma dose generosa. Ávido, o bêbado pegou o copo, levou-o à boca e tomou tudo. "Pegou com a mão", gritou um dos presentes. "Levou à boca", disse outro. Saciado, o bêbado devolveu o copo ao balcão e declarou solene: "Eu perdi!"
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