O pífio corte de gasto anunciado pelo governo, de apenas R$ 23,41 bilhões, reforçou as previsões de mais um ano muito ruim para o Tesouro, com nova e perigosa expansão do endividamento. Além disso, a ojeriza da presidente Dilma Rousseff à seriedade financeira foi confirmada, mais uma vez, pelo afrouxamento proposto da meta fiscal, com espaço para um déficit primário de até 0,97% do Produto Interno Bruto (PIB). O gasto com juros fica fora do resultado primário. Com os juros, o déficit geral do setor público foi superior a 9% do PIB no ano passado, muito maior que o observado nas economias avançadas e na maior parte das emergentes. Já sem credibilidade, a presidente e sua equipe dificilmente poderiam ter apresentado uma proposta mais inoportuna. A insistência na ideia, apresentada alguns dias antes em balões de ensaio, é mais um erro de uma ampla coleção.
A nova programação orçamentária foi apresentada ontem pelos ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e do Planejamento, Valdir Simão. Na quarta-feira, a Standard & Poor’s (S&P), uma das três maiores agências de avaliação de risco, havia rebaixado mais uma vez a nota de crédito do Brasil. A justificativa incluiu, como antes, as incertezas quanto à política fiscal e a perspectiva de mais um ano de recessão, seguido de uma retomada muito lenta.
Pelas projeções da S&P, as contas brasileiras terão déficit primário de 1,3% do PIB neste ano e de 0,7% em 2017. No ano passado, o buraco chegou a 1,8%. Estimativas do mercado, coletadas e divulgadas pelo Ministério da Fazenda, também apontam buraco nas contas primárias em 2016 e no próximo ano. O governo, portanto, segundo espera a maior parte dos especialistas, continuará gastando mais do que arrecada ainda por um bom tempo, sem contar a despesa com juros.
Os cortes ficam muito longe de qualquer coisa parecida com austeridade. O plano inclui redução de apenas R$ 4,2 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e mesmo essa economia pode ser mero corte de vento. A execução do PAC sempre ficou bem abaixo dos valores orçados. Não se pretende mexer no programa Minha Casa, Minha Vida.
A ideia é preservar os chamados programas sociais. Além disso, salários e benefícios do funcionalismo devem ficar intactos, naturalmente, enquanto trabalhadores do setor privado continuarão sujeitos ao desemprego e a uma inflação bem acima dos padrões internacionais. Mesmo pela projeção do governo os preços ao consumidor ainda subirão muito este ano: 7,10%. Mas isso dependerá principalmente dos efeitos da recessão. A nova estimativa oficial é de uma contração econômica de 2,9%, mais suave que a prevista pelo mercado na semana anterior, de 3,3%.
Para reforçar a receita, o governo deverá usar dinheiro de precatórios – dívidas do setor público – depositado em bancos. Além de discutível, a solução é um expediente de efeito limitado e nem de longe se caracteriza como parte de um ajuste efetivo.
Mas a arrumação dos números – porque será esse o principal efeito do plano apresentado – vai depender mais do corte da meta do que da redução de gastos. Levando em conta o risco de frustração de receitas e podando aqui e ali, o ministro da Fazenda propôs uma redução de R$ 84,2 bilhões da meta fiscal. Segundo o ministro, o resultado final poderá ficar entre um superávit primário de R$ 24 bilhões (quem acredita nisso?) e um déficit de R$ 60,2 bilhões.
Em outra situação, seria muito mais fácil levar a sério uma proposta de meta flexível, numa programação orçamentária plurianual. O grande objetivo do governo, hoje, é obviamente abrir caminho para mais um ou dois anos de política frouxa, com alguma encenação de austeridade e um mínimo de custo político. Mas com essa manobra a recuperação da economia será muito mais difícil e demorada, o desemprego e a inflação continuarão assombrando as famílias e o custo político será inevitável. Mais uma vez, o caminho mais confortável para o governo será o mais acidentado e mais perigoso para o País. Incapaz de renegar o populismo e de reconhecer o fracasso de seu estilo de governo, a presidente Dilma Rousseff tende a fazer do segundo mandato um fracasso muito maior do que foi o primeiro.
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