• União admite congelar reajuste do mínimo para conter gastos
• Ministro da Fazenda vai alongar prazo de pagamentos da dívida dos estados em até 20 anos em troca de apoio à CPMF
O governo anunciou ontem um corte de gastos de R$ 23,8 bilhões no Orçamento de 2016. Mesmo assim, prevê registrar déficit fiscal de até R$ 60,3 bilhões, ou 0, 97% do PIB. O governo vai encaminhar ao Congresso projeto para fixar um teto para os gastos públicos que prevê até congelar o reajuste do salário mínimo.
Corte de gastos e déficit bilionário
• Governo anuncia contingenciamento de R$ 23,4 bi, mas prevê rombo fiscal de até R$ 60 bi
Martha Beck, Bárbara Nascimento, Cristiane Jungblut – O Globo
BRASÍLIA - O governo vai pedir ao Congresso para registrar um rombo nas contas públicas pelo terceiro ano consecutivo. A equipe econômica informou ontem que vai encaminhar ao Legislativo uma proposta permitindo que a União possa abater R$ 84,2 bilhões de sua meta fiscal, que hoje é um superávit primário de R$ 24 bilhões, ou 0,39% do Produto Interno Bruto (PIB). Na prática, isso significa que o resultado do ano — considerando apenas o governo federal — pode chegar a um déficit de R$ 60,2 bilhões, ou 0,97% do PIB. Até que os parlamentares decidam se dão esse aval, no entanto, será preciso continuar trabalhando com a meta em vigor. Por isso, também foi anunciado um corte de gastos de R$ 23,4 bilhões no Orçamento de 2016 — valor bem inferior ao registrado no início de 2015, que chegou a R$ 69,9 bilhões.
Para acalmar o mercado, que já prevê um rombo de R$ 70,7 bilhões nas contas deste ano, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, também apresentou um projeto de reforma fiscal que será encaminhado ao Congresso fixando um teto para os gastos públicos. A ideia é que essa regra já possa valer para 2017. Quando as despesas superarem o valor definido em lei, serão acionados vários gatilhos para conter os gastos. Eles incluem até a suspensão do aumento real do salário-mínimo.
‘Continuamos achando a CPMF fundamental’
Com receitas em queda livre por causa da recessão econômica e despesas engessadas, o governo já começou o ano sabendo que não teria condições de atingir a meta fiscal de 2016. Ela é de R$ 30,55 bilhões, ou 0,5% do PIB, para o setor público. Deste total, R$ 24 bilhões cabem à União e R$ 6,55 bilhões a estados e municípios. Ainda em 2015, Barbosa, que era ministro do Planejamento, entrou em conflito com Joaquim Levy, que comandava a Fazenda, para reduzir o esforço fiscal e convenceu a presidente Dilma Rousseff a propor uma redução de meta e um abatimento de despesas da conta. Os parlamentares, aceitaram baixar o esforço fiscal de 0,6% para 0,5% do PIB, mas rejeitaram o abatimento.
Perguntado sobre as chances de uma aprovação agora, o ministro disse que o cenário hoje é mais grave, embora ainda considere as projeções do mercado para o rombo das contas como pessimistas. Tanto que o governo revisou sua projeção para a queda do PIB este ano, 1,9% para 2,9%. E elevou a estimativa de inflação de 6,47% para 7,10%.
— A situação econômica mudou não só no Brasil, mas no mundo. Há uma percepção de que a situação atual exige ação mais rápida por parte do governo. Em várias conversas com lideranças parlamentares e empresariais, vemos que há possibilidade — disse Barbosa.
Do total de R$ 84,2 bilhões que o governo prevê abater da meta fiscal, R$ 30,5 bilhões são de frustração de receitas administradas e R$ 41,7 bilhões de receitas extraordinárias. Há também previsão de descontar aumentos de gastos com saúde (R$ 3 bilhões) e investimentos prioritários (R$ 9 bilhões). Barbosa, no entanto, não quis detalhar quais receitas serão frustradas. Segundo o ministro, a CPMF, que tem poucas chances de aprovação no Congresso, ainda está nos cálculos do governo: — Continuamos achando a CPMF fundamental. Apesar do contingenciamento modesto de 2016, o ministro do Planejamento, Valdir Simão, afirmou que o “sacrifício” deste ano será muito maior. Ele lembrou que a Lei Orçamentária é R$ 55,5 bilhões inferior à do ano passado:
— A LOA (Lei Orçamentária Anual) é R$ 55,5 bilhões menor que a do ano passado. Assim, estamos partindo de cenário muito mais restritivo. O sacrifício será maior este ano.
Mesmo assim, Simão assegurou que não faltarão recursos para programas sociais importantes como o de combate ao vírus zika, o Bolsa Família e o Brasil Sem Miséria. Simão também se comprometeu a preservar os recursos para áreas como o programa Minha Casa Minha Vida, para o combate à crise hídrica e a realização das Olimpíadas. A pasta mais afetada foi a de Minas e Energia, com uma tesourada de R$ 3,146 bilhões. Em seguida ficou a Saúde, com bloqueio de R$ 2,5 bilhões nos gastos discricionários.
Para tentar reforçar as contas, Barbosa anunciou mudança na sistemática de pagamento de precatórios — valores devidos pelo governo a pessoas que ganham ações na Justiça — que poderá resultar numa economia gastos de R$ 12 bilhões este ano.
Para economistas e especialistas em contas públicas, o pacote de medidas anunciado ontem não vai melhorar a percepção do mercado sobre a condução da política fiscal. A avaliação é que a instabilidade vai continuar porque a meta de superávit primário foi afrouxada — o que demonstra uma falta de compromisso do governo em reduzir a dívida pública. Eles destacam que a fixação de teto para os gastos é positiva, mas que é preciso esperar para ver como essa proposta será implementada.
— Esse corte de R$ 24 bilhões não serve para nada. O objetivo é viabilizar a meta, mas ela ficou frouxa porque no lugar de superávit, poderá ter um déficit de 1% do PIB — disse o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
O economista Felipe Salto, assessor econômico do senador José Serra (PSDB/SP) concorda:
— Estamos com um rombo de 2% do PIB. Hoje, o governo está correndo atrás do prejuízo e não está conseguindo apagar o incêndio.
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