• Reforma fiscal proposta pelo governo prevê fim de reajuste acima da inflação para cumprir limite de despesas
Bárbara Nascimento, Martha Beck Cristiane Jungblut - O Globo
BRASÍLIA - Na tentativa de mostrar ao mercado que não deixou de lado o compromisso com o equilíbrio fiscal, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anunciou, junto do corte de gastos e da redução da meta fiscal para 2016, uma reforma de longo prazo que prevê um teto para as despesas públicas. A ideia é estipular um limite para os gastos, proporcional ao Produto Interno Bruto (PIB), e acionar uma série de gatilhos que fechem a torneira dos gastos, à medida que esse teto for ultrapassado. Em último caso, o governo propõe até mesmo congelar o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo para garantir o controle das contas públicas.
A proposta será enviada ao Congresso até março e prevê uma alteração na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para obrigar o governo a fixar um limite para as despesas no Plano Plurianual (PPA), que fixa a programação fiscal dos quatro anos seguintes. Nos últimos anos, esses gastos se mantiveram num patamar entre 18% e 19% do PIB. Já o valor nominal dos gastos seria apresentado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de cada ano e definiria, assim, os parâmetros para elaboração do Orçamento.
Caso o teto seja descumprido, o texto prevê que o governo faça um contingenciamento de gastos no ano corrente, ou seja, suspenda algumas despesas. E, se houver indícios de que o desequilíbrio continuará no ano seguinte, o projeto define uma série de medidas que seriam acionadas automaticamente, em três estágios. Em um primeiro momento, o governo interromperia, de imediato, a concessão de novas desonerações fiscais, a realização de concursos e contratações, o aumento real (acima da inflação) de salários de servidores, das despesas de custeio e das demais despesas discricionárias, ou seja, aquelas que não são obrigatórias.
‘Pacote de maldades’
Os estágios seguintes seriam acionados à medida que o anterior não for suficiente para colocar as despesas dentro do limite fixado. Assim, o segundo bloco de medidas suspende a ampliação de subsídios e aumentos nominais de despesas e salários de funcionários públicos. Por último, o governo congelaria o salário mínimo e reduziria despesas com benefícios para servidores e com funcionários temporários da União.
Barbosa explicou que a proposta de reforma precisa ser discutida e detalhada pelos técnicos da equipe econômica, mas que a ideia não é fazer com que os vários estágios de controle de despesas tenham caráter cumulativo ao longo dos anos.
— A ideia geral é: se você vir que o limite de gastos pode extrapolar o limite estabelecido, você aciona os estágios em sequência. Se no ano seguinte for detectada a mesma coisa, começa tudo de novo, do primeiro estágio.
O titular da Fazenda ainda afirmou que a proposta prevê atenção especial ao teto para o gasto previsto no último ano do PPA, quando há mudança de governo. O objetivo é colocar travas para impedir que um governante não passe para o sucessor a obrigação de aplicar o “pacote de maldades”, com o acionamento automático dos gatilhos de correção do gasto.
— Principalmente no último ano, vamos evitar o comportamento de excesso de gastos. Para que um ano não comprometa o governante seguinte — disse Barbosa.
O economista Felipe Salto, assessor do senador José Serra (PSDB-SP), considerou favorável a fixação de um teto para os gastos, embora defenda a fixação de um limite para a dívida da União:
— O governo deveria fixar um limite para a dívida da União, conforme já ocorre com estados e municípios. Assim, você gera uma melhora de expectativa. Os agentes perceberiam uma estratégia fiscal, e, com isso, os juros exigidos pelo mercado para financiar a divida pública poderiam cair no curto prazo — afirmou.
O ministro da Fazenda havia sinalizado que também proporia uma meta fiscal flexível, ou seja, que pudesse variar de acordo com o comportamento das receitas governo. No entanto, ontem, ele não tocou nesse tema. Disse apenas que a fixação da meta é algo que precisa ser definido a cada ano e que caberá ao próprio governo decidir se quer ou não propor abatimentos, quando o momento adequado chegar.
Prioridade para reforma da Previdência
Barbosa reforçou o discurso de que é necessário passar do ajuste fiscal para uma reforma fiscal e enfatizou que a recuperação da estabilidade depende do controle dos gastos públicos. Ele também ressaltou que é importante controlar a principal fonte de despesas do governo, por meio da reforma da Previdência. Segundo ele, cerca de 44% das despesas primárias são referentes a pagamentos de aposentadorias e benefícios sociais.
— Para controlar o crescimento do gasto é vital, por hora, controlar a maior despesa. Não é coincidência que a nossa maior iniciativa é em relação à Previdência — afirmou.
Ele apontou sete temas principais que devem ser discutidos no fórum da Previdência até abril e definidos também até aquele mês, quando a proposta de reforma será enviada ao Congresso Nacional.
O governo quer discutir a idade média das aposentadorias, formas de financiamento da Previdência, diferenças nas regras entre homens e mulheres, que hoje têm idades diferentes para concessão do benefício, regimes próprios (dos servidos da União, estados e municípios) e a sustentabilidade da previdência rural, com a possibilidade de uma convergência de regras das aposentadorias rural e urbana.
O ministro ainda afirmou que serão discutidas novas mudanças nas pensões por morte, além das já realizadas pelo ex-ministro Joaquim Levy no início do ano passado. Segundo Barbosa, ficou pendente avaliar o valor da pensão por morte, ou seja, reduzir o valor do benefício pago. O déficit da Previdência previsto para este ano é de R$ 130 bilhões.
— (O projeto) vai prever mudanças graduais, não tem surpresa, não tem nada feito sem transparência. Os impactos fiscais tendem a ocorrer mais no futuro, daqui a 10 anos. Propor uma reforma da Previdência agora, mesmo com impacto no futuro, já tem um efeito imediato para a economia brasileira, porque já sinaliza uma maior estabilidade do gasto público — disse.
Gatilho contra gastos
Limite de gastos:
O governo ainda vai definir o limite máximo de gastos da União em relação ao PIB e em valores nominais
Controle de despesas:
Planeja suspender vários gastos se perceber que não conseguirá cumprir o teto de gastos fixado para o ano seguinte. Essa suspensão seguirá três estágios
Primeiro estágio de cortes:
- Concessão de novas desonerações fiscais; - aumento real das despesas de custeio e demais despesas discricionárias (não obrigatórias); - realização de concursos e contratações; - aumento real de salários dos servidores públicos
Segundo estágio:
- Ampliação de subsídios; - aumento nominal das despesas de custeio e das despesas discricionárias; - reajuste nominal de salários dos servidores
Terceiro estágio:
- Corte de gastos com benefícios dos servidores; - redução da despesa com servidores que não têm estabilidade; - suspensão de aumento real do salário mínimo
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