quarta-feira, 23 de março de 2016

Ao completar dois anos, a Lava-Jato corre riscos – Editorial / Valor Econômico

Dois anos depois de iniciada e de causar um terremoto político no país, a Operação Lava-Jato enfrenta agora a reação organizada dos Poderes da República e os riscos advindos do personalismo de sua figura de maior evidência, o Sérgio Moro, juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Ferido talvez de morte pela divulgação de escutas legais, autorizadas por Moro, o governo de Dilma Rousseff partiu para ofensiva. O novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, foi claro: as delações premiadas estão sendo obtidas por meio de "extorsão" e ele pretende, se houver "cheiro de vazamento", trocar toda a equipe da Polícia Federal. "Não preciso ter prova", disse Aragão à "Folha de S. Paulo".

Aragão, que já advogou com amigos íntimos de Lula, como Sigmaringa Seixas, resumiu queixas contra a Lava-Jato que são generalizadas no Planalto e em parte das bancas de advocacia. O ministro afirmou que não irá tolerar nem a "seletividade" nem a "politização do procedimento judicial".

À medida que a Lava-Jato fecha um ciclo de investigações, com 93 condenações e a explosão de elos históricos da corrupção entre partidos e empresas, é previsível que encontre maiores dificuldades para avançar. Moro teve seus procedimentos integralmente aprovados pelo Supremo Tribunal Federal até há pouco. Ações de grande estardalhaço recentes, porém, ameaçam cindir esta crucial blindagem legal. O juiz teria cruzado a fronteira da legalidade para entrar no terreno do arbítrio, pisoteando direitos constitucionais, como acusam, com doses variadas de razão, seus críticos no governo e nos meios jurídicos. Vários deles veem ilegalidade na divulgação de escutas com diálogos periféricos à investigação, que pela lei deveriam ser destruídos. A publicidade de conversa entre Lula e Dilma deveria, para vários advogados, ter resguardado o que disse a presidente e ser submetida ao STF. A condução coercitiva de Lula, embora legal, foi tida como desnecessária.

Moro teve conduta exemplar na maior parte desses dois anos, mas ao agir politicamente tornou-se vulnerável em um terreno perigoso, que lhe é adverso. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, deu-lhe um puxão de orelhas, sem citar nomes, ao dizer que o papel do juiz é resolver e não criar conflitos, e que os "juízes não são protagonistas". Outro ministro, Marco Aurélio Mello, criticou Moro pelo vazamento da delação premiada de Delcídio do Amaral e a divulgação de interceptações envolvendo a presidente.

Ao mexer com interesses poderosos, ao pilotar o processo do maior escândalo de corrupção da história do país, Moro pode ter seu valioso trabalho prejudicado por açodamentos ou desvios da rota da legalidade. Uma das condições para o sucesso da Lava-Jato, além da dedicação e competência de sua equipe, foi a concordância e apoio total do Judiciário a suas ações. Se essa couraça for rompida, a Lava-Jato deixará flancos abertos aos que desejam seu fracasso.

De certo ângulo, a seletividade da Lava-Jato em relação ao PT é visível. Os procuradores acreditam que Lula é o responsável e um dos beneficiários da rede de corrupção envolvendo construtoras e outros partidos, mas precisam provar isso. De outro, porém, a seletividade não existe. Moro encaminhou processos contra 31 políticos do PP, 7 do PMDB, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado, e 7 do PT. Esses processos não produzem "notícias" todos os dias porque estão nas mãos da Procuradoria-Geral da República e do STF, não mais na alçada de Moro. Anteontem, os políticos do PP foram indiciados.

É possível prever mais percalços à frente da Lava-Jato. Seja qual for o resultado da votação do impeachment, com um governo sobrevivente ou outro, de transição, comandado por Michel Temer, as tentativas de amortecimento das investigações e das penas prosseguirão, porque ameaçam dezenas de políticos. A hora em que o Legislativo voltar à rotina, se voltar, uma frente suprapartidária poderá votar leis que enquadrem a Lava-Jato e anulem parte de seus efeitos. Foi uma conjuração desse tipo que impediu a Operação Mãos Limpas, na Itália, de ir até o fim. Nas cúpulas partidárias não há o menor interesse em que ela continue pressionando o meio político e o apoio retórico às investigações pode ser só uma estratégia provisória para tirar Dilma e o PT do poder. Moro só deveria se expor nos autos e colar-se ao estrito espírito da lei, reforçando sua retaguarda no Judiciário e precavendo-se contra manobras espúrias.

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