• Defesa de Dilma pode se restringir a PT, PCdoB e PSOL
- Valor Econômico
O início da tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff criou uma nova rotina entre parlamentares da oposição, do que sobrou da base aliada e estrategistas políticos do Palácio do Planalto. Desde que a instalação da comissão especial responsável pela análise prévia do pedido tornou-se um fato consumado, todos passaram a fazer sucessivas projeções sobre o veredito a ser dado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Hoje, o governo não conta com os votos necessários para arquivar o impeachment. Hoje.
Em tese, evitar uma derrota não deveria ser difícil. O rito do impeachment garante uma margem de segurança considerável a um presidente ameaçado - desde que seu governo conte com uma sustentação mínima no Parlamento. Mas a situação da economia doméstica, o apoio de grande parcela da população ao afastamento de Dilma e as novidades que podem surgir a cada dia na Operação Lava-Jato justificam a apreensão dos governistas.
Com dificuldades de produzir fatos políticos capazes de reaglutinar a base aliada ou recuperar a confiança de empresários e consumidores, a presidente passou a apostar na retórica e no questionamento da legalidade do processo. Nos últimos dias, levou para as solenidades oficiais organizadas pelo cerimonial da Presidência os gritos de guerra até então apenas entoados por simpatizantes nas ruas. "Não vai ter golpe", brada.
A primeira batalha em torno do impeachment já se dá na comissão especial que fará a análise preliminar do caso, a qual definirá por meio da maioria simples - metade mais um - dos 65 integrantes se o pedido de afastamento deve prosperar. Oposição e governo não têm segurança em cravar um prognóstico sobre o resultado da votação que deve ocorrer nas próximas semanas, dependendo das manobras regimentais feitas pela bancada governista ou eventuais disputas judiciais a serem travadas. Para quem acompanha a movimentação dos membros do colegiado, porém, o mais provável atualmente é que os deputados acolham os argumentos da peça em discussão. O Palácio do Planalto não conseguiu nem mesmo assegurar que os líderes dos partidos aliados reduzissem de forma significativa ou até mesmo impedissem a presença de entusiastas do impeachment nas bancadas escaladas.
O parecer da comissão especial não é conclusivo, embora capaz de dar força ao impeachment ou abalar a legitimidade do pedido antes de sua chegada para apreciação de todos os deputados. De qualquer forma, a atual situação de Dilma não é confortável no plenário da Casa e as autoridades do Palácio do Planalto têm sérias dúvidas se terão forças no Senado para enterrar um processo eventualmente aprovado em massa na Câmara.
A bancada governista precisará impedir que a ala favorável ao impeachment obtenha o apoio de 342 parlamentares, ou dois terços dos 513 deputados, seja com 172 votos contrários ao afastamento de Dilma ou uma combinação de votos, abstenções e ausências durante a sessão de votação. No governo, considerados os deputados de PT, PCdoB, PSOL, parte do PDT e de outros partidos que ainda estão divididos, como PMDB ou PP, já chegou-se à conta de que atualmente apenas cerca de 120 deputados são 100% contrários ao impeachment.
Lideranças do PT no Congresso têm um cálculo menos pessimista, mas ainda assim alarmante. Acreditam que podem assegurar entre 140 e 150 votos. Aproximadamente 50 deputados são considerados "voláteis" e, portanto, poderiam ser convencidos a manter o apoio a Dilma até o fim ou acabar ajudando a carimbar mais cedo a passagem da presidente de volta ao Rio Grande do Sul.
O plano inicial do PT era, a partir desse pilar de até 150 votos, contar com a capacidade de mobilização do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para construir uma trincheira no Congresso. Alçado à condição de ministro da Casa Civil e longe do alcance do juiz Sergio Moro, Lula poderia articular com maior desenvoltura. Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sob seus cuidados no novo cargo, sobrariam argumentos para o ex-presidente arregimentar deputados ávidos por investimentos da União em suas bases às vésperas das eleições municipais.
Aliados também esperavam que o governo passasse a coibir o que consideram abusos e equívocos da Operação Lava-Jato. E a divulgação das interceptações telefônicas de Lula com diversos interlocutores buscando solidariedade no Ministério da Justiça, Receita Federal, Procuradoria-Geral da República e Supremo Tribunal Federal sugerem justamente que o ex-presidente poderia levar esse movimento adiante.
A revelação do conteúdo das conversas, contudo, provocou reações nessas instituições e na sociedade, as quais podem atrapalhar esses planos. Os efeitos também são observados na Câmara, onde, segundo quem acompanha com lupa os humores do plenário, a presidente Dilma poderia acabar apenas contando com a defesa de PT, PCdoB e PSOL. E ainda teria de ver partidos que já tiveram diversos integrantes envolvidos em escândalos passados ou citados na Lava-Jato se apoderando do discurso de defesa da ética na política que um dia foi do PT. O que essa siglas mais necessitam nesta hora é uma recauchutagem em suas respectivas imagens antes do pleito de 2018.
Os milhares de militantes que foram às ruas na sexta-feira demonstraram que o impeachment de Dilma não ocorrerá sem resistência popular. Afirmaram que permanecerão ao lado de quem tirou milhões de brasileiros da miséria, reduziu a desigualdade social e assegurou que o país continuasse a avançar em diversas outras áreas - o que em muitos casos têm razão. Afinal, ponderam, mesmo que alguns de seus líderes tenham cometido pecados, pelo menos "eles fazem". Flertam, assim, com um discurso e uma prática que sempre repudiaram, cujos protagonistas estão ao lado de Dilma contra o impeachment. Pelo menos até hoje.
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