• Vítima de Moro e do PT, Jorge Blanco resiste a ambos
- Valor Econômico
Jorge Washington Blanco foi eleitor de Marina Silva e Aécio Neves na disputa presidencial de 2014. Votou em Luiz Inácio Lula da Silva a última vez em 2002, antes mensalão. Reforma bancos de carro desde criança, quando começou a trabalhar na capotaria do avô. Com a pequena oficina, no bairro de São Geraldo, bairro pobre na zona leste de Belo Horizonte, criou seus dois filhos, hoje adultos, e chegou a tirar R$ 4 mil por mês. Com a recessão, os ganhos caíram pela metade.
Na noite do dia 26 de fevereiro, Blanco tinha acabado de chegar em casa, vindo da oficina, quando um oficial de Justiça tocou a campainha e lhe entregou uma intimação para depor à Justiça. No papel, constavam apenas nome e sobrenome, herdado do avô espanhol, além do CPF. Os filhos suspeitaram de trote e ele disse ao oficial de justiça que deveria ser algum engano, mas Blanco foi convencido que não havia como resistir. "É aquele negócio do Cerveró, você tem que ir", lhe disse o oficial de Justiça.
Nos sete dias que se seguiram, Blanco mal dormiu. Na sexta-feira, 4 de março, no mesmo dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acordou com a força-tarefa à sua porta para levá-lo ao aeroporto de Congonhas, o capoteiro pegou um táxi para ir à sede do Ministério Público Federal, no centro da capital mineira.
Por videoconferência, ouviu calado o juiz Sergio Moro lhe dizer que, na condição de testemunha, estava comprometido a dizer a verdade sob pena de ser processado. Responsável pela inquirição, o representante do Ministério Público não passou da terceira pergunta. Blanco lhe informou a profissão, disse nunca ter trabalhado no banco Schahin nem tampouco conhecer [o ex-diretor da Petrobras ], Jorge Zelada.
Em três minutos, conclui-se que se tratava de homônimo de um funcionário argentino do Schahin citado em depoimento do ex-presidente do banco, Sandro Tordin. Moro ainda perguntou se algum defensor gostaria de se pronunciar mas, além de Blanco, o jovem advogado amigo da família que Blanco havia levado ao depoimento, também parecia intimidado. O microfone ficou aberto e o capoteiro ouviu quando juiz e procurador riram. Ninguém lhe pediu desculpas.
Ontem, pela manhã, como antecipou o Valor PRO, o juiz lhe telefonou para se desculpar. Blanco aceitou o pedido de desculpas mas não desistiu de acionar o Estado por dano moral. Um advogado lhe disse que teria de abrir a ação em Curitiba e o capoteiro não sabe como nem com que dinheiro.
Como quase todo mundo, o capoteiro era um entusiasta da Lava-Jato. Queria que as acusações fossem colocadas em pratos limpos para o país voltar a andar e que os culpados devolvessem o que não lhes pertencia. O episódio, no entanto, lhe deixou inconformado. Quando o vídeo chegou à internet, ele passou a ser alvo de chacota na rua. A capotaria, ouviu, seria apenas a fachada de uma lavanderia.
Ao voltar pra casa naquela sexta-feira, Jorge Blanco ficou sabendo que Lula tinha sido conduzido para depor. Não viu paralelo entre sua intimação e a condução coercitiva do ex-presidente. Parece convencido de que Lula foi levado à força porque se recusou a ir, mas quando fala de seu maior patrimônio até parece que é ele, e não o ex-presidente, quem o mimetiza: "O nome é o que a gente tem de mais importante. Como é que vou consertar o meu se esse cara [o homônimo] se enrolar?".
Tratado em Curitiba como um lapso do Ministério Público 'sem maiores consequências', o episódio não revela apenas o descuido do MP, que poderia ter sido evitado pela simples checagem da filiação de Blanco. Se a força-tarefa dedicou-se às minúcias dos grandes alvos, como os pedalinhos dos netos de Lula, não parece justificável que despreze os grandes transtornos causados na vida de pequenas - e equivocadas - vítimas, como o capoteiro.
Moro e o MP levaram menos de 24 horas para divulgar notas em que buscaram se justificar pela condução coercitiva de Lula e cinco dias para o pedido de desculpas ao capoteiro.
A agilidade das notas sobre Lula se irmana com o susto da oposição com a sobrevida dada pelo ex-presidente ao discurso "eu não sou eu, eu sou vocês". A reação de Lula levou uma fatia do PSDB a temer que a Lava-Jato, para não se deslegitimar, tenha que queimar caravelas tucanas.
Como se se antecipasse às próximas delações, artigo de Fernando Henrique Cardoso tratou de se opor à criminalização das doações empresariais. No texto, o ex-presidente não cita o impeachment uma única vez. Prefere a "exaustão do atual arranjo político brasileiro".
Parece improvável que Lula sobreviva à Lei da Ficha Limpa e possa realizar a ameaça, anunciada em ambos os discursos da sexta-feira, de volta triunfal em 2018. Mais do que em campanha eleitoral, o ex-presidente está em maratona que ele mesmo definiu como ideológica. Depois de ver o PT e a base de governo se desanimarem frente aos encorpados indícios de corrupção, pôs-se a tentar convencê-los do contrário. A inspiração do filho de dona Lindu é o dia em que levou o ex-diretor-gerente do FMI, Horst Koehler às lágrimas com sua história.
A presidente Dilma Rousseff, que buscava sobreviver numa rota de aproximação com a agenda reformista de centro, não teve outra alternativa senão se submeter à liderança lulista pelas evidências de que a indignação com a condução coercitiva ultrapassa sua magra margem de popularidade.
O primeiro subproduto da crise precipitada é o afastamento do PT da rota que, em alguns momentos dos últimos 13 anos, se cruzou com a da oposição em nome de uma agenda de reformas fiscais. A criminalização de Lula e de Dilma radicaliza o partido e a política brasileira por tempo indefinido. Na era petista, o 13 de março da Central do Brasil caiu no dia 4 da quadra dos bancários. A guinada à esquerda tenta impedir a queda do governo com ameaça de radicalização social sob a liderança de um Lula mitificado.
Se todos estão na mira da Lava-Jato, Lula tenta mostrar que ele, ao contrário dos demais, tem exército. Na eventualidade de a manifestação de domingo se frustrar, a estratégia do ex-presidente ganha fôlego e tem chances de manter o que restar do PMDB em apoio ao governo. Mas se a mobilização for maiúscula, os planos petistas terão se mostrado incapazes de converter aqueles que, a exemplo do capoteiro, nem mesmo vitimados pela Lava-Jato, perdem o foco de quem meteu o país nesta crise sem pedir desculpas.
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