• Ajuste crível está cada vez mais difícil com a crise política
- Valor Econômico
Nas próximas semanas, o governo terá a árdua tarefa de definir uma trajetória de médio e longo prazos para a política fiscal. Até o dia 15 de abril, ele encaminhará ao Congresso Nacional o projeto de lei de diretrizes orçamentárias para o próximo ano, no qual irá explicitar as metas fiscais para 2017, 2018 e 2019.
Diante da crise política que engolfou o governo Dilma, é pouco provável que a equipe econômica consiga apresentar uma proposta para três anos que seja razoavelmente crível e que garanta apoio político para ser aprovada.
Antes de a temperatura da crise atingir o grau de ebulição em que está atualmente, o governo apresentou uma estratégia de ajuste gradual das contas públicas, que passava, necessariamente, pela aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e de reformas estruturais para reduzir o crescimento do gasto obrigatório, entre as quais algumas mudanças nas regras da Previdência Social.
Para reforçar o seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas e a estabilização da dívida pública, o governo iria propor a fixação de limites plurianuais para o gasto da União, em proporção do PIB. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) seria alterada para definir regras de ajuste ao limite do gasto, que seriam usadas quando ele fosse ultrapassado.
Os tetos para o gasto, em proporção do PIB, seriam fixados no Plano Plurianual (PPA) para quatro anos. Posteriormente, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) fixaria o teto para o gasto de cada ano, transformando o limite em percentual do PIB fixado no PPA em valor nominal.
De acordo com a proposta, apresentada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a política fiscal do governo teria duas condicionantes: a meta anual de superávit primário e o limite anual para o gasto total da União. As duas variáveis seriam definidas de forma coordenada, na perspectiva de uma trajetória para a dívida pública como proporção do PIB.
A ideia inicial da equipe econômica, segundo fonte credenciada do governo, era estabilizar a dívida pública em proporção do PIB já em 2018. A dívida ainda subiria neste e no próximo ano, mas se manteria estável no último ano do mandato da presidente Dilma Rousseff. Para atingir esse objetivo, o governo proporia metas de superávits primários crescentes para os próximos três anos. Haveria necessidade também de fixar limites para o gasto total da União abaixo do nível previsto para 2016, que é de 19,1% do PIB - o patamar mais elevado da história do Brasil.
Essa estratégia parece ter naufragado, antes mesmo de ser formalizada. A proposta formulada pelo ministro Nelson Barbosa foi bombardeada pelo PT, que já se manifestou contrário à reforma da Previdência Social neste momento e contra algumas regras a serem usadas pelo governo, em caso de superação do limite para o gasto, como o cancelamento do aumento real para o salário mínimo.
Para piorar as coisas, o PT apresentou proposta econômica diametralmente oposta à de Barbosa e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal líder do partido, fez críticas nos bastidores à atuação do ministro da Fazenda.
Outra dificuldade para a definição do superávit primário do próximo ano e dos dois anos seguintes está relacionada à nova renegociação das dívidas de Estados e municípios pela União. Na terça-feira, o governo teve que ceder às pressões dos governadores e aceitou conceder um desconto de 20% no valor das prestações mensais pagas pelos Estados à União, além de alongar em 20 anos o prazo para o pagamento das dívidas renegociadas no âmbito da Lei 9.496 e também dar prazo maior para o pagamento dos débitos estaduais com o BNDES.
O acordo, no entanto, não está formalizado. Não se sabe ainda qual será o impacto fiscal da nova renegociação de débitos neste ano e nos próximos. A União perderá receita com o acordo e os Estados e municípios terão uma margem maior para realizar gastos, o que reduzirá o resultado fiscal desses entes da Federação.
No dia 22, o governo terá que encaminhar ao Congresso o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao primeiro bimestre. Junto com o relatório, é provável que o governo envie também um projeto de alteração da LDO válida para este ano. O governo já anunciou que proporá uma mudança na meta fiscal de 2016 para que ela possa ser reduzida se houver frustração de receitas.
A LDO estabelece que o superávit primário para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano será de R$ 24 bilhões. Com a mudança que será proposta, essa meta poderá ser reduzida em até R$ 84,2 bilhões. Assim, a meta fiscal do governo central poderá variar entre superávit de R$ 24 bilhões e déficit de R$ 60,2 bilhões.
O valor do desconto da meta poderá ser aumentado, pois o que foi divulgado anteriormente pelo Ministério da Fazenda não incorporou o impacto fiscal da nova renegociação das dívidas com Estados e municípios. Antes de aceitar conceder um desconto de 20% no valor mensal das prestações, o governo estimou o impacto anual da renegociação dos débitos em R$ 12 bilhões.
Se o acordo com os Estados começar a valer apenas a partir de julho, em virtude do prazo necessário para a aprovação das mudanças da LRF e nos contratos, o impacto corresponderá à metade. Nesse caso, o desconto da meta poderá ultrapassar R$ 90 bilhões.
Para tornar crível a trajetória fiscal de médio e longo prazos, uma das dificuldades do governo será mostrar como irá obter as receitas necessárias para alcançar a meta de superávit primário. As contas deste ano somente serão fechadas com a ajuda maciça de receitas patrimoniais, representadas pela venda de ativos da União, e de receitas tributárias extraordinárias, no montante de R$ 47,5 bilhões, resultantes da CPMF, que ainda não foi aprovada pelo Congresso, e da regularização de ativos mantidos no exterior, entre outras. Portanto, o resultado fiscal deste ano não será garantido por receitas recorrentes, que se repetirão em 2017 e nos anos seguintes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário