• Discurso de 'herança maldita' terá prazo de validade limitado
- Valor Econômico
Mais do que apenas receber potenciais colaboradores, o vice-presidente Michel Temer tem passado os últimos dias tentando estruturar os alicerces que considera necessários para conduzir o Executivo se a presidente Dilma Rousseff for de fato afastada pelo Senado: um governo de concertação que envolva políticos, empresários e trabalhadores. Não se trata apenas de um recurso retórico já verbalizado pelo vice. Essa vislumbrada união nacional é vista como essencial para dar maiores chances de sucesso a um governo que não contará com muito tempo útil para levar adiante os planos traçados no Palácio do Jaburu.
Os movimentos meticulosamente calculados, uma característica do pemedebista mas que na visão petista evidenciam a conspiração liderada pelo vice, buscam sinalizar aos diversos segmentos da sociedade que Temer estará pronto para cumprir suas missões constitucionais e governar assim que precisar assumir a Presidência da República. O PMDB quer evitar uma sensação de vácuo de liderança, num momento que deverá ser marcado pelo acirramento dos ânimos de quem fará tudo para que prospere a tese segundo a qual Dilma foi alvo de um golpe e, portanto, deve retomar o posto após julgamento definitivo pelo Senado.
O grupo mais próximo ao vice já dá como certo que a comissão especial responsável pela análise preliminar do impeachment e o plenário do Senado seguirão o entendimento da Câmara dos Deputados. Darão prosseguimento ao processo de interrupção do mandato da petista, afastando a presidente por até 180 dias. Nem mesmo eventuais recursos da Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiriam evitar que a partir de meados de maio o Palácio do Planalto tenha um novo ocupante, acreditam.
O cálculo também prevê alguns percalços. Temer teria que assegurar o pleno funcionamento da máquina federal e aprovar com rapidez uma série de medidas no Congresso em meio à Olimpíada, às tradicionais festas juninas que levam dezenas de parlamentares nordestinos às suas bases no fim do primeiro semestre, o recesso parlamentar de julho e ainda as campanhas para as eleições municipais de outubro.
O cenário não é dos mais favoráveis para quem precisa desarmar com rapidez a bomba fiscal instalada pelo Congresso e pelo governo Dilma, além de aprovar projetos que melhorem o ambiente de negócios do país.
Acenos ao mercado já foram dados. Além da possibilidade de o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles assumir o Ministério da Fazenda, auxiliares de Temer dizem que um dos principais diferenciais de uma cada vez mais provável gestão pemedebista seria a coesão da equipe econômica. Em vez das divergências observadas nas políticas fiscal e monetária das administrações Dilma Rousseff, a área passaria a falar "uma só língua".
Ao empresariado, o próprio vice e seus emissários também afirmam que trabalharão para dar mais atratividade aos editais de concessões de empreendimentos de infraestrutura, a parcerias público-privadas e marcos regulatórios setoriais. Ponderam que o aumento de impostos não seria a melhor solução para o momento, e asseguram que o governo federal anunciaria a redução de sua estrutura a fim de cortar gastos. Recebem de seus interlocutores como resposta que, superada a atual conjuntura, companhias de diversos setores estariam dispostas a destravar investimentos e responder aos estímulos do governo.
Temer não deixará de enviar ao Congresso medidas de iniciativa do Executivo, mas, para tentar dar celeridade à tramitação de projetos considerados estratégicos e ainda prestigiar parlamentares aliados, buscará impulsionar propostas de autoria de senadores e deputados que já estão em discussão no Legislativo. Trata-se de um gesto simples, mas adotado só por quem entende o funcionamento do Parlamento.
Outro desafio urgente do pemedebista será tratar do endividamento de Estados e municípios com a União. Temer defende uma repactuação federativa, e o assunto ganhará força no Congresso e no Judiciário, devido à proximidade das eleições de outubro. Milhares de gestores municipais desembarcarão na capital federal entre os dias 9 e 12 de maio, na marcha anual de prefeitos a Brasília, justamente na semana em que o plenário do Senado deve decidir o afastamento temporário de Dilma.
Nesse mesmo período, outra força política também deverá ocupar as avenidas de Brasília. Movimentos sociais ligados ao PT devem realizar novas manifestações para pressionar os parlamentares em apoio a Dilma, quando o processo de impeachment avançar no Senado. Os pemedebistas, porém, já analisam formas de minar a capacidade dessas e de futuras mobilizações. Ao atacarem "ineficiências" dos programas sociais, podem buscar limitar o poder das lideranças que mantêm influência sobre a execução dessas ações na ponta.
Mais um desafio de Temer será evitar que a máquina pública federal, em marcha lenta à espera de um desfecho da crise política, pare de funcionar de vez com uma troca no Palácio do Planalto. Muitos dos ocupantes de cargos comissionados já preparam seus pedidos de demissão para o dia 11 de maio, quando o Senado deve votar o afastamento de Dilma. Outros, decididos a não legitimar um governo Temer, pretendem não facilitar a transição em suas pastas.
Todos esses riscos estão nos radares dos frequentadores da Vice-Presidência e do Jaburu. Eles já se preparam para adotar o discurso da "herança maldita" e colocar a culpa por eventuais reveses nas gestões Dilma, caso a euforia a ser observada pelo menos a curto prazo não perdure. Estão prontos para argumentar que a atual situação do país é responsabilidade de um governo do qual nunca puderam participar de forma plena. Mas uma incógnita com a qual ainda convivem é por quanto tempo a população aceitará essa justificativa. No discurso dos governos do PT, o argumento da herança maldita que dizem ter recebido durou bem mais que uma década.
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