Com a proximidade da aceitação do pedido de impeachment pelo Senado, o vice-presidente Michel Temer apressa a escolha de sua equipe de governo. Sua fisionomia provisória é a do bifronte Jano, deus romano dos começos e fins. Os balões de ensaio que partem do Palácio Jaburu indicam que há a busca de um número restrito de medidas de impacto na via ortodoxa, que animem os mercados. Sugerem também que há uma demanda clientelista a ser atendida, tanto do PMDB quanto da legendas da ex-base aliada do governo Dilma, cuja satisfação se dará por cargos e verbas. Esse é um mix indigesto, que pode levar as expectativas sobre Temer tanto ao inferno quanto ao céu.
Os contornos das negociações para o time do sucessor de Dilma, se o Senado a condenar, mostra que não houve uma conspiração bem urdida, como gostam de afirmar os petistas. Empresários de peso vacilaram em manifestar opinião pelo afastamento da presidente - antes chegaram mesmo a considerá-la um mal menor diante do salto no escuro do impeachment. Os sucessivos ziguezagues do PSDB, beneficiário claro do afastamento, indicam que o roteiro pós-Dilma não foi muito combinado, mas seguiu também o ritmo das circunstâncias e do acaso.
Os limites do que Temer poderá fazer são evidentes, e podem ser um pouco alargados, dependendo da composição política do governo. Deixado ao sabor da inércia, o PMDB e os integrantes do novo "centrão" tendem a produzir um governo medíocre, incapaz de deter a crise econômica e de dar um choque consequente de expectativas que aponte para a recuperação da economia, por mais reluzentes que sejam os programas-ponte e as promessas de austeridade.
Michel Temer acenou com mais redução de ministérios e isso pode significar menos, porém mais importantes, cargos para os aliados de agora. Das consultas surgiu a ideia de entregar ao PP, o partido com mais políticos envolvidos na Lava-Jato, a Caixa Econômica Federal e dois ministérios de peso, como Saúde e Integração Nacional. Se esses planos vingarem, escândalos futuros podem já estar sendo contratados. A políticos tradicionais do PMDB e do staff íntimo de Temer estariam reservados a Casa Civil e um encorpado Ministério da Infraestrutura.
Temer praticamente decidiu colocar em um cargo político vital, o Ministério da Justiça, Antônio Mariz de Oliveira, advogado de sua inteira confiança, ex-membro da Anistia Internacional, ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública paulista em 1990, na gestão de Luiz Antonio Fleury Filho. Mariz é frontalmente contrário ao uso generalizado da delação premiada, subscreveu manifesto com críticas à Operação Lava-Jato e foi advogado do vice-presidente da Camargo Correa, Eduardo Leite, no escândalo do petrolão.
O vice-presidente, por outro lado, pode até certo ponto tentar blindar a área econômica da possível e forte influência clientelista de PMDB e centrão em seu governo. Em voz alta, ontem, Temer disse a Jorge Bastos Moreno, de " O Globo ", que se fosse presidente hoje seu escolhido para ministro da Fazenda seria Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central do governo Lula. Uma das intenções, não confirmadas, é entregar ao novo ministro a chancela dos nomes que ocuparão o BC e o Banco do Brasil. O ministério do Planejamento, responsável pelo Orçamento, tem no senador Romero Jucá o candidato favorito. A área social terá especial atenção, pois é um flanco político vulnerável, diante das insatisfações criadas pela recessão, e dos ataques do PT.
A âncora inicial de credibilidade deverá ser Meirelles, em uma função ainda mais difícil do que aquela que exerceu sob dois mandatos de Lula - tomar conta do cofre em uma situação em que o ajuste fiscal é peça-chave para a retomada da confiança. Mais maestro que compositor, Meirelles tem a seu favor o traquejo político e a sensatez de não pretender inventar a roda. Em seus artigos na Folha de S. Paulo, suas receitas são as do bom senso heterodoxo, e compõem um bom ponto de partida para consertar a economia. Se isso será suficiente para fazê-lo dependerá de Temer e do incerto apoio do resto do governo.
O governo Temer viverá um período de incertezas, marcado pela deterioração da economia e por uma crise política que pode não ter força para debelar. Uma política tipo "arroz e feijão" será claramente insuficiente para mantê-lo à tona - se os desdobramentos da Lava-Jato o permitir. O risco de "sarneyzação" é real.
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