O BNDES deve mudar sua forma de atuação em relação ao padrão dos últimos 14 anos. As mudanças estão em gestação, mas há definições tomadas, segundo se depreende das declarações da nova presidente da instituição, Maria Silvia Bastos Marques: o banco vai financiar menos, sempre que possível a taxas de mercado e manter-se distante de aportes do Tesouro (Valor, 20 de julho). Faz parte do novo figurino a participação crescente do mercado nos financiamentos de longo prazo, uma intenção sempre reiterada por sucessivos governos e nunca concretizada.
A rota de abastecimento de recursos do banco já mudou de direção e o governo espera receber R$ 100 bilhões dos R$ 480 bilhões (em valores corrigidos) fornecidos de volta - R$ 40 bilhões este ano. Os enormes aportes do Tesouro, entretanto, foram exceção e passaram a ser regra quando a presidente afastada Dilma Rousseff resolveu realizar a marcha forçada para o crescimento a qualquer custo, cujos resultados, como se advertia, foram desastrosos.
O BNDES pode passar bem sem esses recursos e há fontes potenciais que já foram exploradas e que serão de novo. A venda e renovação parcial da carteira de ações da BNDESPar é uma delas, embora limitada pela conjuntura, que é instável. A outra é a captação externa, atraente diante dos baixos juros internacionais, mas prejudicada pela perda do grau de investimento da dívida brasileira.
Maria Silvia chamou a atenção para a abundância de recursos internacionais para financiar a infraestrutura, em um ambiente de retornos baixos ou nulos para os investidores nos mercados desenvolvidos. Há um caminho a ser percorrido até que essas fontes estejam de fato disponíveis. Um deles é o aprimoramento regulatório das concessões e privatizações, que foi errático no passado, afugentando investidores. O outro é a melhoria da qualidade dos projetos ofertados, vital pra o exame de sua real rentabilidade. A intenção, por enquanto no papel, é fortalecer as agências reguladoras e definir regras transparentes para a exploração ou venda de ativos públicos.
O BNDES pretende ampliar a fatia de recursos privados nos financiamentos e, se isso der certo, explorar outras formas de atuação, como a de bancar as garantias para projetos e não os empréstimos. Além disso, tem a intenção de usar sua expertise para coordenar privatização de ativos estaduais, usando recursos do IFC para a contratação de estudos e projetos nas áreas de mobilidade urbana e saneamento, duas carências gritantes no país.
A curto prazo, há incompatibilidade entre a urgência e intenção de venda e concessão de ativos públicos e a capacidade financeira privada existente para absorvê-los, independentemente dos estragos provocados pela Lava-Jato. Sob Dilma Rousseff, o montante do financiamento subsidiado era parte determinante da equação financeira das concessões, que procuravam conseguir a menor tarifa possível para o usuário. Mas, se "a modicidade tarifária acabou", como diz Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos, assim como o "tabelamento" do retorno, o problema do financiamento de longo prazo continua intacto e desafiador.
O governo conta com as concessões para obter boa parte dos R$ 55 bilhões em receitas necessários para atingir déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017. Os juros elevados, porém, retiram a atratividade dos projetos se financiados a taxas de mercado, como é intenção futura do banco. Em abril, mesmo clientes preferenciais dos bancos, de baixo risco, pagavam juros anuais de 18,7%. Com a economia em recessão e o nível atual de juros, as concessões só andam com financiamento preponderante do BNDES ou influxo massivo de capital externo, mas a recuperação econômica e a queda do custo do capital abrirão espaço para a nova estratégia do banco. A fase de transição de um modelo a outro pode ser longa.
Ainda que a intenção seja a transparência e modelagem regulatória eficiente, o governo precisa mostrar coerência. Recentemente, permitiu que concessionárias de aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos adiassem o pagamento de outorgas. Também preparou uma MP para estender o prazo de concessões de rodovias em troca de mais investimentos - investimentos esses que, programados, não foram realizados na vigência dos contratos. São casuísmos, justamente o que se quer evitar.
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