quinta-feira, 21 de julho de 2016

O pirão de Maia - Maria Cristina Fernandes

• A convergência que pode pôr fim às coligações

- Valor Econômico

Em pelo menos um momento do jantar que reuniu na terça-feira palacianos e o comando do Congresso, o presidente interino e o da Câmara convergiram contra uma posição do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. Discutia-se o fim das coligações partidárias, que derrotou o então relator da reforma política, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no ano passado.

O novo presidente da Câmara advogou a inclusão da proposta na pauta de prioridades. A despeito de ter votado favoravelmente ao financiamento privado, não vê, depois do conjunto da obra oferecido pela Lava-Jato, como reinserir as empresas no custeio das eleições. Amigos que disputarão em outubro lhe relatam que empresários mudam de assunto quando o tema é dinheiro.


Sem financiamento empresarial ou entusiasmo de eleitores para colaborações individuais, o presidente da Câmara defendeu a urgência da mudança para evitar que as eleições de 2018 repitam a legião de endividados que prevê como resultado da disputa municipal. Foi contraditado por Geddel, que advogou pelo gradualismo da mudança para não abalar uma base fraturada pela derrota de Rogério Rosso (PSD-DEM), cuja candidatura teve no ministro da Secretaria de Governo o mais exposto apoio palaciano. À mesa do Jaburu, a advertência de Geddel não sensibilizou Michel Temer, que endossou a urgência para o tema, bandeira antiga do presidente interino.

O aval não é passe livre para a tramitação. A regra das coligações é uma das principais causas da fragmentação da Câmara que encontrou nas recentes 17 candidaturas à presidência sua mais radical tradução. A medida reduziria de 35 para algo em torno de uma dezena os partidos da Casa e sempre enfrentou resistência não apenas nas pequenas legendas como também naquelas que se valem delas para aumentar seu poder de fogo no jogo parlamentar. A regra atual das coligações era uma clásula pétrea da política de Eduardo Cunha.

Maia vê diálogo possível com algumas das pequenas legendas de esquerda que o apoiaram. Sugere a formação de federações para as disputas proporcionais que lhes dariam sobrevida. Já tem canal aberto com o PCdoB, um dos esteios de sua candidatura. O partido de Aldo Rebelo, único a ser saudado em dobro por Maia no seu discurso de vitória ("grande amigo", "grande figura pública") vê na mudança trampolim para uma frente como aquela que marcou, por décadas, a política uruguaia.

A ideia tem frequentado o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula, cujo PT saiu dividido da eleição da mesa da Câmara com o abandono do plenário, no segundo turno, da corrente do ex-governador Tarso Genro. O convite para que Miro Teixeira (Rede-RJ) almoçasse no Jaburu horas depois da vitória de Maia é um sinal de que o presidente da Câmara e o interino da República se movem pelo mesmo tabuleiro no tema em questão. Expoente de partido nanico (quatro parlamentares), o deputado carioca é decano e formador de opinião da Casa, além de correligionário daquela que ainda é a principal promessa eleitoral de 2018. Um dos seus correligionários, Alexandre Molon (RJ), foi um dos principais articuladores pró-Maia no segundo turno.

A eleição no Rio, em que a esquerda se dividiu em três candidaturas (Molon, Jandira Feghali, do PCdoB, e Marcelo Freixo, do Psol) é um sinal de que essas frentes custam a se operacionalizar. Para consumo do Palácio do Planalto, no entanto, o que importa é que o fim das coligações não se configure em hostilidade à esquerda, já fustigada pela pauta econômica do governo interino.

Uma das resultantes mais incontornáveis da eleição de Rodrigo Maia é que o governo Temer deixou de ter uma massa amorfa de potenciais 400 votos para ter que lidar com dois blocos de 200, um formado por um núcleo duro do qual participam DEM, PSDB, PSB, PPS e o PMDB, depois de agraciado com Furnas e Turismo, e o bloco mais próximo daquilo que um dia se chamou de Centrão (PP, PSD, PR, PRB, PTB e adjacências). Unido à esquerda, este bloco oferece riscos ao governo em pautas como a PEC dos gastos.

Depois da era Cunha, o novo presidente da Câmara precisava acenar para a opinião pública com temas como as medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público e o fim da indústria de partidos fomentado pelas coligações. A mudança, no entanto, pode trazer consequências quase tão duradouras quanto a limitação dos gastos públicos proposta pelo ministro Henrique Meirelles.

A redução no número de legendas reduz a concorrência pelo fundo partidário, que pode vir a se transformar na principal fonte de recursos declarados das campanhas eleitorais. Desde que foi criado, como se vê na tabela abaixo, partidos como o PMDB perderam mais da metade do seu quinhão e o DEM de Maia foi reduzido a menos de um quarto, fatia menor que a do PRB e do PSD. Inexistentes há 20 anos, ambos nasceram pequenos e ganharam musculatura no balcão de nanicos da Câmara.

Ao longo de 20 anos, o fundo partidário mais do que quadruplicou, em termos reais, sua dotação. Pela primeira vez, e justo no momento em que secou a torneira das doações empresariais, ameaça ser desidratado. A farinha que restou não é tão pouca assim, mas o momento é de diminuir a fila para não faltar pirão.

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